Aos poucos começa a sentir-se o encher da maré.
Apesar da propaganda anti-sindical, e da apologia da inevitabilidade das soluções neoliberais, os professores começam a dar-se conta de que a análise da situação político-laboral corresponde, no essencial, ao que sempre tem sido afirmado pelas organizações sindicais mais consequentes, e mais determinadas, no combate ao capitalismo global que nos vem arruinando.
Evidentemente que reconhecer tal facto custa muito. Para alguns professores é mesmo um ponto de honra negarem a evidência de que a actuação isolada não leva a bom porto.
Nessas circunstâncias começam a aparecer apelos à desobediência civil por parte de alguns blogues empenhados na resistência às decisões mais iníquas do actual governo. Mesmo quando persistem na crítica às posições sindicais, em vez de concentrar o fogo na(s) política(s) socratista(s), esse apelo à resistência é de saudar. No entanto convém saber do que falamos, quando se propõe a desobediência como forma de acção cívica.
Henry David Thoreau foi quem primeiro teorizou sobre o direito dos cidadãos resistirem às decisões injustas do(s) governo(s). Depois dele, ao longo do século XX, os exemplos de Mahatma Gandhi e Martin Luither King são os mais conhecidos, tendo sido determinantes para o movimento de libertação anti-colonial, no caso de Gandhi, e para o dos direitos cívicos, no caso de Luther King.
As histórias do que foi a resistência cívica destes líderes, e de como foram capazes de protagonizar o combate contra forças aparentemente muito mais poderosas, é muito inspiradora mas não pode levar-nos a pensar que tudo é simples e se resolve sem muito esforço e abnegação.
A desobediência civil é uma das formas de luta mais radical e violenta, na medida em que confronta o(s) opressor(es) com a sua iniquidade, sem lhe dar a possibilidade de se vitimizar, como acontece quando sobre ele se exerce a violência (física ou psicológica). É que no caso da desobediência civil é sobre quem desobedece que o Estado se vê constrangido a exercer a violência, por incumprimento da lei. O objectivo da desobediência civil é a denúncia e a demonstração da injustiça e da iniquidade do poder de quem governa. Em última análise, o que se procura demonstrar é a ilegitimidade do decisor decidir da forma como o faz.
Ora o Estado é reconhecidamente a única entidade com legitimidade para exercer a violência sobre os cidadãos, o que determina que quem desobedece tem que estar consciente de que assiste ao Estado legitimidade para o punir de acordo com a lei, mesmo que esta seja iníqua e injusta. Nessa medida a decisão de desobedecer tem que ser uma decisão individual e consciente de cada actor, não sendo legítimo a ninguém instigar outros à desobediência, a menos que se constitua como exemplo a seguir.
Dito de outra forma, a desobediência civil não pode ser decretada como o é uma greve. Não é legítimo que nenhuma organização, sindical ou de outra natureza, determine que os seus membros ou aderentes desobedeçam às leis em vigor.
É por isso que se os professores que escreveram:
- só podemos evitar isto se nos informarmos, se soubermos desenvolver uma análise crítica do que se passa e se agirmos de forma consciente, esclarecida e livre
- Tendo em conta que se começa a esboçar a vontade de se partir para estratégias de desobediência civil, os professores, em articulação com outros grupos profissionais, e na unidade já referida, têm um vasto campo onde essa desobediência pode ser exercida
- Depois de traídos e desmoralizados, a pior imagem que os professores podem passar de si próprios, para as comunidades escolares e a sociedade em geral, será a de uma classe que acaba em postura galinácea, ou seja, de cócoras e engalfinhados entre si a disputarem o milho que os directores administram, consentindo na sua subserviência e domesticação
- A resistência é tão justa como antes. Nem todas as questões são financeiras, mas mesmo as que são dessa índole não nos devem anestesiar
tendo toda a razão ao escreve-lo, não devem estar à espera que outros ocupem o lugar da frente nessa forma de luta contra o roubo, a injustiça e a iniquidade a que o governo e os seus aliados da direita querem sujeitar todos os trabalhadores portugueses.
O seu exemplo, por certo, frutificará, mesmo entre os 80.000 que correram a entregar “obedientemente” os objectivos numa altura em que era claro que não os entregar não configurava qualquer desobediência, nem implicava qualquer punição para quem se recusasse a cumprir a vontade da equipa ministerial que agonizava.
Imagino que estes colegas se interroguem sobre se desobedecerão sozinhos ou se constituirão a primeira onda de uma imensa maré de descontentamento e contestação que mudará, não o mundo, mas este pequeno país. Essas são as dúvidas e as contingências com que se confronta quem tem que tomar decisões, quando elas dependem da vontade soberana de cada actor.
Por mim sei o que farei. Dia 6 de Novembro estarei na manifestação da Frente Comum, dia 24 de Novembro na Greve Geral e no piquete de greve à porta da minha escola. Quanto às minhas desobediências em relação ao sistema, não quero nem espero que ultrapassem o círculo de quem trabalha comigo. Se frutificarem aí a sua dispersão por outros caminhos será sempre obra de um colectivo e não de um indivíduo isolado.