(Re)Flexões

~ Defendendo a Cidadania

(Re)Flexões

Monthly Archives: Outubro 2010

Entre o individual e o colectivo

28 Quinta-feira Out 2010

Posted by fjsantos in 3ª via, cidadania

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luta sindical, Resistência, sindicalismo docente

Haja quem se assuma sem rodeios, e declare que avança só, sem esperar que outros se preocupem com as suas tomadas de posição individuais.

As minhas lutas, se assim tiver a pretensão de as designar, serão individuais e apenas individuais. Nem sequer quero com isto influenciar seja quem for. Perdi qualquer avo de confiança no desempenho dos actores negociais tradicionais, aqueles mesmos que aceitaram uma espécie de pacto a favor da eliminação do ruído.

Ao contrário de outros actores, que estão sempre à espera que outros façam o trabalho de casa para depois o poderem cavalgar,

6 – Sendo uma escolha eminentemente individual, a decisão pela desobediência civil só sai reforçada no quadro de uma opção colectiva o mais alargada possível.
7 – O contrário do referido no ponto anterior não é desobediência civil: é suicídio individual que não leva a lado algum.

PG declara que avança sozinho, seja qual for o sentido do seu avanço, incluindo um avanço depois de uma “meia volta volver”.

Estas “estórias” de luta(s) individual(is) e de desobediência(s) civil(s) seriam divertidas, não se desse o caso de estarmos a atravessar uma situação de confronto claro e decisivo entre os detentores do capital e dos meios de produção, por um lado, e os trabalhadores assalariados, por outro.

A escolha do campo não permite “terceiras vias” nem irresponsabilidades. Muito menos que os mais informados e conscientes se acobardem, ou arranjem desculpas de mau pagador.

Dia 6 de Novembro é preciso que os trabalhadores da administração pública dêem uma resposta clara ao ataque da direita. E os professores que trabalham na escola pública, em particular os que enchem a boca a dizer que a defendem, são trabalhadores que exercem funções públicas, por muito que isso lhes custe.

Dia 24 de Novembro será o dia em que os funcionários públicos se juntarão aos outros trabalhadores portugueses. O sucesso da Greve Geral será um passo em frente na luta contra a injustiça e a iniquidade do governo. Tudo o que for feito para menorizar esse sucesso apenas ajudará a aprofundar ainda mais a crise que se abate sobre quem trabalha e não vive de rendimentos.

Das virtudes da democracia burguesa liberal

26 Terça-feira Out 2010

Posted by fjsantos in ética, cidadania

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luta política, Rigor

No sábado passado, conversando com o meu amigo Luís Redes, embrenhámo-nos numa discussão sobre os méritos e virtudes da democracia e sobre a importância de valorizar a opinião das maiorias.

O Luís defende que a legitimidade da opinião maioritária não deve ser contestada, mesmo quando essa opinião não se funda no rigor e na verdade do conhecimento científico. Até mesmo quando a formação da opinião pública é controlada e manipulada pelos detentores do poder. É uma opinião que não partilho com ele e que cada vez me incomoda mais.

Sobretudo quando dou por mim a fazer um pequeno “zapping” televisivo e reparo que o candidato Cavaco Silva, que por acaso é também presidente da república, tem direito a cobertura televisiva directa da cerimónia de recandidatura na RTP1, SIC, TVI, SICN, TVI24 e RTPN.

A isto segue-se a “análise” do discurso, feita pelos peritos do costume, em que as vozes à esquerda do centrão estão liminarmente excluídas.

Em termos de igualdade de tratamento dos 5 candidatos conhecidos, até ao momento, esta forma de democracia parece-me algo “peculiar”. Mas isso sou eu, que desalinho das opiniões “democraticamente” maioritárias.

Resistências… entre a acção pública e a desobediência civil

25 Segunda-feira Out 2010

Posted by fjsantos in acção pública, cidadania

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luta dos professores, movimentos "inde"pendentes, Resistência, sindicalismo docente

Aos poucos começa a sentir-se o encher da maré.

Apesar da propaganda anti-sindical, e da apologia da inevitabilidade das soluções neoliberais, os professores começam a dar-se conta de que a análise da situação político-laboral corresponde, no essencial, ao que sempre tem sido afirmado pelas organizações sindicais mais consequentes, e mais determinadas, no combate ao capitalismo global que nos vem arruinando.

Evidentemente que reconhecer tal facto custa muito. Para alguns professores é mesmo um ponto de honra negarem a evidência de que a actuação isolada não leva a bom porto.

Nessas circunstâncias começam a aparecer apelos à desobediência civil por parte de alguns blogues empenhados na resistência às decisões mais iníquas do actual governo. Mesmo quando persistem na crítica às posições sindicais, em vez de concentrar o fogo na(s) política(s) socratista(s), esse apelo à resistência é de saudar. No entanto convém saber do que falamos, quando se propõe a desobediência como forma de acção cívica.

Henry David Thoreau foi quem primeiro teorizou sobre o direito dos cidadãos resistirem às decisões injustas do(s) governo(s). Depois dele, ao longo do século XX, os exemplos de Mahatma Gandhi e Martin Luither King são os mais conhecidos, tendo sido determinantes para o movimento de libertação anti-colonial, no caso de Gandhi, e para o dos direitos cívicos, no caso de Luther King.

As histórias do que foi a resistência cívica destes líderes, e de como foram capazes de protagonizar o combate contra forças aparentemente muito mais poderosas, é muito inspiradora mas não pode levar-nos a pensar que tudo é simples e se resolve sem muito esforço e abnegação.

A desobediência civil é uma das formas de luta mais radical e violenta, na medida em que confronta o(s) opressor(es) com a sua iniquidade, sem lhe dar a possibilidade de se vitimizar, como acontece quando sobre ele se exerce a violência (física ou psicológica). É que no caso da desobediência civil é sobre quem desobedece que o Estado se vê constrangido a exercer a violência, por incumprimento da lei. O objectivo da  desobediência civil é a denúncia e a demonstração da injustiça e da iniquidade do poder de quem governa. Em última análise, o que se procura demonstrar é a ilegitimidade do decisor decidir da forma como o faz.

Ora o Estado é reconhecidamente a única entidade com legitimidade para exercer a violência sobre os cidadãos, o que determina que quem desobedece tem que estar consciente de que assiste ao Estado legitimidade para o punir de acordo com a lei, mesmo que esta seja iníqua e injusta. Nessa medida a decisão de desobedecer tem que ser uma decisão individual e consciente de cada actor, não sendo legítimo a ninguém instigar outros à desobediência, a menos que se constitua como exemplo a seguir.

Dito de outra forma, a desobediência civil não pode ser decretada como o é uma greve. Não é legítimo que nenhuma organização, sindical ou de outra natureza, determine que os seus membros ou aderentes desobedeçam às leis em vigor.

É por isso que se os professores que escreveram:

  • só podemos evitar isto se nos informarmos, se soubermos desenvolver uma análise crítica do que se passa e se agirmos de forma consciente, esclarecida e livre
  • Tendo em conta que se começa a esboçar a vontade de se partir para estratégias de desobediência civil, os professores, em articulação com outros grupos profissionais, e na unidade já referida, têm um vasto campo onde essa desobediência pode ser exercida
  • Depois de traídos e desmoralizados, a pior imagem que os professores podem passar de si próprios, para as comunidades escolares e a sociedade em geral, será a de uma classe que acaba em postura galinácea, ou seja, de cócoras e engalfinhados entre si a disputarem o milho que os directores administram, consentindo na sua subserviência e domesticação
  • A resistência é tão justa como antes. Nem todas as questões são financeiras, mas mesmo as que são dessa índole não nos devem anestesiar

tendo toda a razão ao escreve-lo, não devem estar à espera que outros ocupem o lugar da frente nessa forma de luta contra o roubo, a injustiça e a iniquidade a que o governo e os seus aliados da direita querem sujeitar todos os trabalhadores portugueses.

O seu exemplo, por certo, frutificará, mesmo entre os 80.000 que correram a entregar “obedientemente” os objectivos numa altura em que era claro que não os entregar não configurava qualquer desobediência, nem implicava qualquer punição para quem se recusasse a cumprir a vontade da equipa ministerial que agonizava.

Imagino que estes colegas se interroguem sobre se desobedecerão sozinhos ou se constituirão a primeira onda de uma imensa maré de descontentamento e contestação que mudará, não o mundo, mas este pequeno país. Essas são as dúvidas e as contingências com que se confronta quem tem que tomar decisões, quando elas dependem da vontade soberana de cada actor.

Por mim sei o que farei. Dia 6 de Novembro estarei na manifestação da Frente Comum, dia 24 de Novembro na Greve Geral e no piquete de greve à porta da minha escola. Quanto às minhas desobediências em relação ao sistema, não quero nem espero que ultrapassem o círculo de quem trabalha comigo. Se frutificarem aí a sua dispersão por outros caminhos será sempre obra de um colectivo e não de um indivíduo isolado.

A “escola” de Maria de Lurdes Rodrigues, ou as voltas que o mundo dá

24 Domingo Out 2010

Posted by fjsantos in 3ª via, a mim não me enganas tu, ambiguidade

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a arte da guerra, luta sindical, movimentos "inde"pendentes, Rigor

Ando a ler “As Voltas que o Mundo Dá… reflexões a propósito das aventuras e desventuras do Estado Social”.

Trata-se de uma obra de António Avelãs Nunes, em que o autor se debruça sobre o papel das correntes do chamado socialismo democrático (socialistas, sociais-democratas e trabalhistas) na gestão do capitalismo global, analisando em particular a intervenção dos socialistas europeus na construção da União Europeia, em que o pensamento neoliberal se tornou hegemónico.

A ironia do título funda-se exactamente na contradição entre o discurso e a praxis dessas correntes, sobretudo das que se ancoraram na 3ª via de Blair, como Zapatero em Espanha e Sócrates em Portugal.

Acontece que a leitura do texto de AAN também faz ressaltar outras contradições, permitindo pôr em destaque outras voltas que o mundo dá, pelo menos para outros actores.

A chegada de Maria de Lurdes Rodrigues ao ME ficou marcada pela determinação com que ela e a sua equipa se concentraram no ataque ao movimento sindical docente. Entre 2005 e 2008, o maior esforço comunicacional desenvolvido pelo ministério teve como pressuposto a necessidade de isolar os sindicatos e os seus dirigentes em relação aos professores e às escolas.

A criação do conselho de escolas e, anteriormente, as reuniões da equipa ministerial com os conselhos executivos inseriu-se numa lógica de negociação directa excludente das estruturas de representação sindical.

Mesmo numa altura em que eram já milhares os professores que se manifestavam nas ruas, por todo o país, o discurso dos governantes e dos seus acólitos insistia na ideia de que eram apenas os sindicalistas que reclamavam e que os professores e as escolas trabalhavam normalmente. É factual e quem não for desmemoriado há-de lembrar-se.

É por isso que não deixa de ser curioso que, numa altura em que MLR está retirada na sua reforma dourada na FLAD, sejam professores, em particular os que se tornaram mais mediáticos na sequência da manifestação de 8 de Março de 2008, a recuperar o discurso sobre a não representatividade dos sindicatos de professores. Como se os membros dos sindicatos de professores não trabalhassem na escola pública e não tivessem as mesmas preocupações e dificuldades dos colegas que preferem não se sindicalizar.

O discurso de menorização da capacidade crítica dos professores em função da sua pertença a um colectivo, com frases do tipo «eu penso pela minha cabeça» ou «os que seguem as orientações dos sindicatos comportam-se como carneiros», além de ser ofensivo para quem acredita que a união faz a força, carece de rigor e verdade.

De resto foi Keynes, na conferência “The End of Laissez-faire” proferida em 1924, quem afirmou «Não é verdade que o interesse próprio seja, em regra, esclarecidamente entendido; a maior parte das vezes os indivíduos que actuam isoladamente para prosseguir os seus próprios objectivos são demasiado ignorantes, ou demasiado fracos, mesmo para atingir esses objectivos. A experiência não mostra que, quando os indivíduos formam uma unidade social, sejam sempre menos esclarecidos do que quando actuam separadamente.»

Meter a cabeça na areia ou ir à luta?

19 Terça-feira Out 2010

Posted by fjsantos in acabar com o medo, acção pública, cidadania

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Combate político, luta sindical, Resistência

A escola onde trabalho é relativamente pequena.

Sendo sede de um agrupamento TEIP tem 12 turmas do 2º ciclo e 13 do 3º, além de EFA’s nível 2, EFA’s nível 3 e secundário nocturno.

O número de professores anda à volta de 80, havendo um grande número de contratados.

As medidas de redução das despesas de funcionamento do ME, inscritas no OE 2011, incluem o fim das ACND – Área de Projecto e Estudo Acompanhado. A isto soma-se a redução das horas para o PTE, para créditos de horas para a escola, direcção/gestão e alteração/redução da componente lectiva nos horários nocturnos.

Tudo somado prevejo a extinção de pelo menos 8 horários, o que significa que 8 dos colegas contratados que hoje trabalham nesta escola irão para o desemprego.

Se é verdade que o roubo nominal nos salários, por via da redução imposta pelo OE, se aplica aos salários a partir de 1500€, não é menos verdade que quem vai ser mais espoliado por esta orientação política do governo são os professores contratados, que à situação de precariedade em que viviam até agora terão que acrescentar um horizonte de desemprego a partir do próximo ano lectivo.

É que, a confirmar-se a previsão do governo de redução em 20% dos contratados, isso significa que a acrescentar aos muitos milhares que este ano não foram colocados ainda se juntarão mais 3000 no próximo ano, fruto das reorganizações curriculares e de gestão das escolas (mega-agrupamentos).

Face a isto há duas opções que se colocam: meter a cabeça na areia, esperando que a tempestade um dia passe, ou ir à luta sem ter a certeza de uma vitória retumbante, mas com a convicção de que venderemos muito cara uma eventual derrota.

Porque

Quem luta nem sempre ganha, mas quem desiste já perdeu.

Obsessão ou, o que faz correr Guinote?

17 Domingo Out 2010

Posted by fjsantos in a mim não me enganas tu, a panela ao lume e o arroz está crú

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a arte da guerra, Combate político, luta sindical

O Umbigo do Guinote é um dos blogues mais lidos na blogosfera portuguesa. No que diz respeito à blogosfera docente, em Portugal, é sem dúvida nenhuma o mais lido de todos.

Paulo Guinote gosta de ser reconhecido como “defensor dos professores”, em particular dos que trabalham na “escola pública”, que é, alegadamente, outra “menina dos seus olhos”.

Os professores portugueses, particularmente os que trabalham na escola pública, estão a ser alvo do mais brutal ataque feito contra os trabalhadores, no Portugal democrático, porque fazem parte da Administração Pública, que foi eleita como o bode expiatório da crise.

O testa de ferro deste ataque é o governo, liderado por José Sócrates e Teixeira dos Santos, coadjuvados pelo diversos responsáveis de cada ministério sectorial.

Os mandantes do criminoso ataque contra os trabalhadores portugueses são os capitalistas, os banqueiros e os especuladores internacionais, que decretaram uma crise global porque os seus imensos lucros não cresceram tão imensamente como imaginavam que poderia ter sucedido nos três últimos anos.

Os trabalhadores que estão dispostos e disponíveis para fazer frente a mais este ataque do capital, incluindo neste conjunto os professores, procuram organizar-se em torno dos seus sindicatos mais combativos e determinados. No caso dos professores portugueses, esses sindicatos estão agregados na FENPROF.

Entretanto, no espaço de 72 dias (de 6 de Agosto a 17 de Outubro) o Umbigo do Guinote tem 31 entradas em que desanca, ironiza, malha, critica e por vezes ofende quem? O(s) testa(s) de ferro do ataque aos professores? Os mandantes? Não, Guinote e companhia continuam a “malhar” na FENPROF, bem à maneira de Santos Silva que adorava malhar nos seus adversários políticos, ou de Jorge Coelho que antes de ser um “respeitável” gestor privado ameaçava quem se metesse com o seu partido.

Quo Vadis Guinote?

Afinal, qual é a nossa natureza?

16 Sábado Out 2010

Posted by fjsantos in cidadania, natureza

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Imperdível, no Riachense, um texto de Carlos Simões Nuno onde, mais do que escalpelizar a natureza das personagens que infelizmente desgovernam o país há 34 anos, o autor nos interpela sobre a natureza de cada um de nós (estupefactos, pasmos, atónitos, indignados, assarapantados e o que mais se possa imaginar) e a forma como essa natureza nos imobiliza face à desvergonha da natureza deles.

As ratazanas já abandonam o navio que vai a pique

16 Sábado Out 2010

Posted by fjsantos in a bem da nação, a mim não me enganas tu, a panela ao lume e o arroz está crú

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navio afundado, ratazanas

 

Na sua crónica de hoje, no DN, Marcelino ensaia já a estratégia de sobrevivência para 2011 e anuncia peremptório:

Chegados a este ponto, é óbvio que vamos ter orçamento. É preciso um orçamento! O PSD vai ter de se abster e de disfarçar com uma declaração qualquer a viabilização de um documento tornado essencial pelo desespero das contas públicas. Mas este é o orçamento do Governo de José Sócrates, minoritário por convicção, e assim deve ser visto e avaliado no futuro.


Resposta a um comentário interessante

16 Sábado Out 2010

Posted by fjsantos in educação, escola pública

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profissionalidade docente, regulação da educação

Uma leitora do blogue levantou-me algumas questões num comentário.

As perguntas são as seguintes:

  1. Não acha que o currículo dos alunos é demasiado sobrecarregado? E demasiado uniforme?
  2. Estando tantas horas em aulas, como podem ter tempo para o trabalho individual, autónomo,para actividades escolares ou não escolares,que lhes interessem e possam escolher ?
  3. Haverá ou não disciplinas nobres? Ou essenciais para a formação do indivíduo? Ou anteriores a outras? Ou mais difíceis, apesar de supostamente essenciais?
  4. A escola deve ser a tempo inteiro para todos, mesmo para os que queiram e possam ir para casa depois de uma manhã de aulas? Eu até admito,veja lá, que as escolas venham a ter dormitórios,pois há pais que trabalham por turnos,de dia ou de noite…mas não me parece que a escola tenha de ser igual para todos durante 24 horas por dia…

Embora não tenha uma resposta definitiva para estas questões, a sua pertinência leva-me a tecer algumas considerações:

  • 1. Acho que a “extensão” do currículo se deve a uma visão compartimentada e especializada dos saberes disciplinares. Não me parece que haja homogeneização curricular, antes pelo contrário, a disciplinarização dos saberes, ao impedir uma visão holística do mundo, acaba por promover a pulverização de saberes sem que se perceba qualquer interacção entre eles.
  • 2. O número de horas de aulas diárias é excessivo exactamente em função da visão compartimentada e segmentar dos saberes. E isso é fruto da luta política que todos os grupos disciplinares travam em busca de um recurso escasso – o tempo. Se há algum aplauso pelo fim da área de projecto é porque ela não constitui, em si mesma, uma disciplina. Pelo contrário, poderia ser exactamente esse espaço e esse tempo em que, através da síntese entre diferentes saberes, o trabalho individual e autónomo do aluno o conduzisse à visão holística do mundo a que me referi no ponto anterior. Só que isso implicaria o fim da “nobreza”, da “essencialidade” ou da “anterioridade” de algumas disciplinas em relação a outras, o que significa que
  • 3. discordo em absoluto com a categorização das disciplinas que a comentadora Maria Fernanda apresenta. De resto, sobre o assunto, socorro-me de um texto de Mário Sérgio Cortella – A ESCOLA E O CONHECIMENTO, onde se pode ler na página 2:

«Era menos instável viver na Idade Média, quando tudo estava em “ordem”: a Terra no centro do Universo, o Homem no centro da Terra, a Alma no centro do Homem e Deus no centro da Alma. Foram os 500 anos mais recentes que nos “descentralizaram”, com Copérnico, Galileu, Darwin, Freud e outros. Afinal o que é, para nós, a vida, senão o intervalo entre nascer e morrer ? Essa constatação nos torna únicos: o homem é o único animal que sabe que vai morrer e, por isso, não é de estranhar a sensação de angústia de muitos. Albert Camus já explicava que o homem é a única criatura que se recusa a ser o que é. Porque não faz sentido, nós o construímos.»

e mais à frente, na página 3

«Entretanto, valores, conhecimentos e conceitos (e pré-conceitos) devem mudar porque ser humano é ser capaz de ser diferente. O significado dessas referências não é do mesmo modo para todos, sempre, pois é moldado pela cultura, pela sociedade e pela história dessa cultura, ou seja, todo símbolo (conhecimentos e valores) é relativo e não pode ser examinado por si só. Embora a individualidade gere um ponto de vista particular sobre isso tudo, a construção é coletiva, o que implica em uma vida política onde se negocia, produz e conquista significado. Por isso a produção dos valores não é neutra, dependente do poder de quem possui. A posição de predominância social significa, então, ter seus valores e conhecimentos difundidos e aceitos pela maioria como se fossem próprios ou universais, seja por imposição ou convencimento. O canal de conservação e inovação são as instituições sociais, os responsáveis pelos processos educativos da longa infância humana. A educação assim, além de ser basal, divide-se em vivencial/espontânea (vivendo e aprendendo) e intencional/propositada (deliberada, em locais determinados com instrumentos específicos). Por isso, os processos pedagógicos não são neutros, envolvidos que estão na conservação ou na inovação do grupo. Ver além do próprio grupo, história, visão, conceito, significa uma visão de alteridade que permite identificar no outro (e em nós mesmos) o caráter múltiplo da Humanidade. É superar a obsessão evolucionista de que o passado é sinônimo de atraso, a verdade uma conquista inevitável e a ciência a redenção da humanidade…. Não há um produto acabado, mas por construir.»

  • 4. Discordo também do conceito de “escola a tempo inteiro” porque isso significaria a escolarização de toda a aprendizagem, afastando a responsabilidade colectiva da família e da comunidade quanto ao desenvolvimento e aprendizagens das crianças e jovens. O que defendo é uma escola que funcione num único turno, em que haja espaço e tempo para além das disciplinas, dos conteúdos programáticos e do utilitarismo de um conhecimento que é sempre contextualizado e dependente das relações de poder existentes na sociedade.

Em conclusão, penso que a escola precisa de ensinar a ver a árvore, mas não pode deixar de ensinar a perceber a floresta, sob pena de reduzir o aluno a um futuro autómato ao serviço de algo que nunca conseguirá entender, porque se limita a olhar e ver uma colecção de árvores, mais ou menos diferentes de si mesmo.

Fiquei sem palavras…

15 Sexta-feira Out 2010

Posted by fjsantos in a bem da nação

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espanto, hipocrisia

… quando li no 5 Dias que os bebés vão ser obrigados a tirar o cartão do cidadão, para poderem ser considerados dependentes dos pais, para efeitos de declaração de rendimentos, como se pode confirmar aqui.

7,50 € juntos a muitos outros  7,50 €  também ajudarão a diminuir o défice

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