A argúcia analítica de grande parte dos comentadores da vida sindical é uma caraterística que merece atenção e estudo.
O enviesamento da análise das decisões que os diferentes sindicatos vão tomando, face às medidas políticas com que governo e patronato vão confrontando os trabalhadores, é determinado, invariavelmente, pelo posicionamento político-partidário do analista. Com um pequeno detalhe: se o produtor da análise se identificar com o PS e os partidos à sua direita, trata-se de um comentador “isento”, um espírito “livre” e não dominado pela ortodoxia marxista (nos casos mais benignos) ou comunista (nos casos extremos), enquanto no caso contrário se trata de um fiel reprodutor da “voz do dono” e repetidor de k7s datadas e anacrónicas.
Mas procuremos algum distanciamento e olhar de fora sobre os dados observáveis. Tomemos então como exemplo as posições das duas federações de professores, no que diz respeito a dois assuntos que estão, neste momento, sobre a mesa das negociações: diploma da gestão e criação de mega-agrupamentos, reestruturação da estrutura curricular e colocação de professores.
- Como é de conhecimento público, os secretários-gerais de ambas as federações têm filiação partidária conhecida e nunca escondida da opinião pública;
- durante as duas legislaturas anteriores, nos mandatos do PS-Sócrates, as posições destas organizações sindicais, relativamente às matérias em apreço, foram idênticas, tendo originado mesmo protestos conjuntos. No caso do fim do par pedagógico de EVT os sindicalistas da Fne fizeram questão de ficar na fila da frente, para as fotografias de ocasião, como se poderá ver no blogue do Arlindo com uma simples pesquisa em “evt”;
- agora, que o governo mudou para tons mais alaranjados, e o secretário-geral da Fne passou a “ser da casa”, as posições desta organização mudaram completamente, passando a achar que com pequenas mudanças o diploma sobre concursos se adequa às necessidades e que a proposta sobre as alterações ao modelo de gestão é interessante.
Como é evidente (não esquecendo as palavras de António Nóvoa, segundo as quais o que é evidente mente) a recusa de aceitação destes diplomas por parte da Fenprof decorre do facto de a federação ser liderada (e controlada) por um comunista e não ao facto de serem maus para a escola pública, para a democracia e para os professores. Ao mesmo tempo, a abertura que a Fne demonstra deve-se à abnegação do seu secretário-geral, que percebeu que “os superiores interesses” do país se devem sobrepor aos interesses corporativos do grupo profissional que diz representar, e não ao facto de as suas preferências partidárias serem coincidentes com a maioria que nos governa.
O mesmo tipo de observação pode ser feita a outros níveis, tornando mais claros os motivos porque alguém fez saber à comunicação social (durante um processo de discussão sobre a marcação da Greve Geral para dia 22 de março) que a sua corrente sindical se opunha à realização dessa iniciativa. Por certo esse dirigente estava só a pensar nos superiores interesses dos portugueses e não no isolamento cada vez mais evidente do seu camarada de partido, membro do secretariado e secretário-geral da confederação de sindicatos que assinou um acordo que trai os trabalhadores que nela estão filiados.
Como se percebe clara mente, só o PCP controla os sindicatos e os sindicalistas, enquanto que os dirigentes sindicais que ocupam lugares nas estruturas partidárias de PS e PSD são livres e independentes, como passarinhos, para empurrarem as respetivas organizações para a assinatura de acordos que apenas beneficiam governo e patronato.