Existem quatro modos principais de se tomar uma decisão – por coligação/agregação, por adjudicação, por imposição e por negociação.
A decisão por coligação/agregação ocorre quando existem diversas opções e se aplica a que é sufragada pela maioria dos actores envolvidos; a que decorre da adjudicação é tomada por uma terceira parte, que é escolhida pelos parceiros em função da autoridade, competência técnica ou legitimidade que lhe reconhecem; a decisão por imposição opõe-se às anteriores e é uma decisão unilateral, em que a vontade de uma das partes se sobrepõe aos interesses da outra, sem que haja recurso a argumentos racionais, um dispositivo técnico, ou regras pré-existentes; finalmente, na decisão por negociação as partes interessadas, sem recurso a qualquer intermediário, decidem colectivamente o curso da acção. Neste último caso, concluído o processo, a decisão é de todos quantos subscrevam o acordo (Thuderoz, 2010, pp. 51-53).
Desde a chegada de Sócrates/Maria de Lurdes Rodrigues ao poder, assistiu-se a uma tentativa de desvalorização dos processos de decisão por negociação com os representantes sindicais dos professores, tendo sido utilizados com maior frequência os modos de decisão por imposição dos níveis superiores da hierarquia governamental e, a partir de determinada altura, por coligação/agregação. Neste último caso o ministério recorreu normalmente ao apoio de outros parceiros que entretanto criara, como foi o caso do Conselho Científico para a Avaliação de Professores[i] e o Conselho de Escolas[ii].
A realização de reuniões de trabalho entre a ministra da educação, os seus secretários de Estado e estes órgãos consultivos do ministério foi sempre apresentada à opinião pública como um processo de negociação entre a tutela e os professores. Dessa forma promovia-se a desvalorização do papel das estruturas sindicais, atribuindo-se às suas posições e às dos professores contestatários uma conotação negativa de defesa exclusiva de interesses corporativos, em oposição à defesa do bem comum, alegadamente melhor representado pela hierarquia e pelos órgãos consultivos que esta criara.
De acordo com Christian Thuderoz existem razões de ordem antropológica, prática e política que tornam a opção pelos processos negociados como a última das opções. Isto acontece porque o processo negocial envolve o reconhecimento dos interesses e da legitimidade da outra parte a participar na decisão, impedindo a optimização dos ganhos próprios (Thuderoz, 2010, p. 62). Dessa forma, o natural é que os actores recorram à hostilidade face ao adversário e apenas façam apelo à satisfação mútua de interesses numa fase em que a razão se consegue sobrepor ao sentimento. O que significa que a negociação só é introduzida quando todos os actores concluem que os restantes modos de tomada de decisão se revelam inadequados à solução do problema.
Foi o que sucedeu durante o XVII governo e com a ministra MLR, que depois de enfrentar a contestação generalizada dos professores, com abaixo-assinados, manifestações e protestos descentralizados em dezenas de cidades e, finalmente, duas manifestações nacionais de proporções gigantescas enquadradas por todas as organizações sindicais de professores, acabou por perceber que os interlocutores institucionais devem ser respeitados e não são substituíveis por marionetas de conveniência, mesmo que “legitimadas” por nomeação ministerial.
Nuno Crato, que na sua fase de construção de imagem de ministeriável foi um acérrimo crítico de Maria de Lurdes Rodrigues, por diletantismo crónico, incompetência mal dissimulada, ou admiração sincera, resolveu seguir os passos errados da ex-ministra e acha que pode excluir os professores e os seus legítimos representantes do processo negocial relativo à sua “reforma” curricular. Vai daí recuperou a ideia peregrina de reunir com os diretores das escolas, num simulacro de negociação, esperando convencer os professores e a opinião pública que este processo de reificação da escola corresponde a uma efetiva vontade de ascultação dos atores mais determinantes para o sucesso desta reforma – os professores.
Esperemos calmamente as cenas dos próximos capítulos, embora comece a pairar no ar uma sensação de déja vu, com as nefastas consequências conhecidas para a educação e a escola pública.
[i] O Conselho Científico para a Avaliação de Professores (CCAP) foi criado pelo DL 15/2007, art. 134º e posteriormente viu regulamentadas as suas atribuições através do DR 4/2008
[ii] O Conselho de Escolas (CE) foi criado pelo DL 213/2006, que aprovou a lei orgânica do ministério da educação. A sua composição e respectivo modo de funcionamento foi posteriormente aprovada pelo DR 32/2007
Thuderoz, C. (2010), Qu’est ce que négocier? Sociologie du compromis et de l’action réciproque, Rennes, PUR