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Passado o primeiro choque, agora que vai assentando a poeira, é tempo de olhar para o folclore (quiçá “chavascal”) montado pela direita contra o a decisão do MEC de extinguir o exame do 6º ano, substituindo-o por uma prova de aferição, a par da que introduziu no 2º ano.
Ao contrário do que os acólitos de Nuno Crato (muito bem assessorados por David Justino) vociferaram nos jornais e televisões, o ministro Tiago Rodrigues não ignorou o parecer do CNE. E também é uma mentira ignóbil que tal parecer seja exclusivamente de carácter técnico, já que se trata de uma interpretação política, habilmente suportada em aspectos parcelares do relatório produzido pela assessoria técnica do conselho.
De facto, o ministro não ignorou um parecer que a maioria do CNE votou favoravelmente porque:
- Ao pronunciar-se sobre os exames do 6º ano, o parecer ultrapassa a incumbência determinada pela Comissão de Educação da Assembleia da República, que solicitava a apreciação dos projectos de Lei do BE e do PCP sobre o fim dos exames no 4º ano (leia-se o 1º parágrafo do parecer);
- A decisão de ultrapassar o mandato não foi do foro técnico, mas sim uma opção política, legítima, mas com uma clara intenção de condicionar as orientações do legislador;
- O ponto 5 do parecer indica, com clareza, que além de provocarem um “estreitamento curricular”, os exames sacrificam e limitam o desempenho em áreas tão importantes como a literacia científica, as expressões ou as ciências sociais e humanas, pelo facto de exigirem uma concentração excessiva do esforço letivo nalguns conteúdos considerados estruturantes. De resto, as escolas ouvidas (os directores? os presidentes dos conselhos gerais?) reconhecem que a mobilização para a obtenção de bons resultados nas provas de português e matemática alimenta o risco real de “estreitamento curricular”, com sacrifício de aprendizagens mais abertas ao desenvolvimento de outras capacidades para além do domínio dos saberes daquelas duas disciplinas;
- Nesse mesmo ponto 5 do parecer dá-se relevo ao efeito dos exames sobre os modelos e técnicas que passam a ser adoptados para a avaliação interna, com privilégio dos testes e sacrifício de outros momentos e instrumentos de análise do processo de aprendizagem, que permitem a reorientação e qualificação das aprendizagens dos alunos
Para além destas, o parecer identifica outras limitações aos exames, nomeadamente a “dramatização social” dos exames devida à amplificada cobertura mediática que é promovida na época dos exames e pelo efeito dos “rankings” que constituem tema de intenso debate numa fase inicial do ano lectivo subsequente.
Ainda assim, os relatores do parecer, e uma maioria de conselheiros, optaram por valorizar os efeitos dos exames que levam:
- as escolas a mobilizar os seus recursos para que os alunos obtenham melhores resultados na avaliação dos saberes das áreas disciplinares avaliadas;
- os professores a responderem à pressão social para que os seus alunos obtenham os melhores resultados;
- os alunos a terem uma maior motivação e responsabilização no cumprimento dos objetivos de aprendizagem e um incentivo para um esforço acrescido no seu trabalho.
Só assim se entende que o parecer pretenda salvaguardar um aspecto considerado essencial e expresso no ponto 6.1.4., em que se procura garantir a aplicação de uma qualquer prova (independentemente do seu impacto na classificação dos alunos) que garanta a comparabilidade síncrona entre escolas e diacrónica entre escolas e dentro de cada escola.
Aliás, analisando as diferentes intervenções dos maiores críticos da decisão tomada pelo ministro Tiago Rodrigues, o que fica evidente é a preocupação com a “eliminação das séries estatísticas” construídas ao longo da última década. Séries que permitiram alimentar rankings, tiragem de jornais e “prime-time”, garantindo publicidade gratuita e enganosa ao ensino privado.