Desde há alguns anos que se tornou moda politicamente correcta atacar as Ciências da Educação, atribuindo-lhes todas as malfeitorias a que vem sendo sujeito o sistema de ensino português.
Seja por despeito, por ignorância, ou simplesmente por motivações políticas e ideológicas, muitos dos detractores das Ciências da Educação começam por nem sequer lhes querer reconhecer um estatuto científico. Como é natural, à cabeça desse exército figura um dos mais mediáticos cientistas da nossa praça, o inevitável professor Nuno Crato, que aproveita esse combate para fazer algum sucesso editorial à volta do termo “eduquês”, que os seus livros anti Ciências da Educação acabaram por mediatizar também.
Pessoalmente penso que o diagnóstico que é feito a propósito das Ciências da Educação, as quais ao contrário do que todos os “cratos” deste país afirmam nada têm a ver com o “eduquês”, é muito injusto e se baseia em premissas falsas.
Na verdade não são as Ciências da Educação ou os investigadores portugueses das temáticas ligadas à Educação e à Escola quem governa a Educação Portuguesa. Quase todos os ministros da Educação e respectivos secretários de Estado provém de outras áreas científicas, desde a Química (João de Deus Pinheiro), passando pela Economia (Manuela Ferreira Leite) até à Sociologia das Empresas (Maria de Lurdes Rodrigues).
Claro que, para legitimar muitas das decisões políticas, todos estes governantes solicitaram e continuam a solicitar estudos e pareceres aos académicos das Ciências da Educação. Só que dos estudos e pareceres que lhes chegam apenas usam o essencial da retórica, para embelezar os preâmbulos dos decretos e das leis, porque o articulado é normalmente elaborado por um qualquer jurista avençado do ME e nada tem a ver com as conclusões apresentadas pelos especialistas.
Ainda recentemente, a propósito do novo decreto sobre a gestão e administração escolar, o parecer pedido pelo ME a um reputado investigador da área da Administração Educacional é contrário às soluções que foram aprovadas em Conselho de Ministros, as quais foram vertidas em DL que está para promulgação e publicação em DR. Como se pode ler no anexo seguinte:
António Mota said:
Caro Francisco!
Eu sou radicalmente contra o “eduquês” de que se fala. E penso que você também. Mas distingo muito bem entre “Ciências da Educação” e “Eduquês”, se bem que este tenha tido a sua origem naquelas. Claro que é “politicamente correcto” atacarem-se as Ciências da Educação. Elas não têm culpa, mas muitos senhores que “singraram” à custa do seu, delas, abastardamento, ai, esses sim, esses têm a culpa toda. Foram eles que as denegriram. E aqueles que as servem com estudo, seriedade e atenção, esses ninguém os quer ouvir.
Sabe como era? Queria-se ser professor no ensino superior? Entrava-se pela “porta larga” das Ciências de Educação.
Eu conheço muitos casos. Fosse qual fosse a formação de base, tudo servia. Tinha-se licenciatura (alguns, no princípio, nem a tinham) em Línguas e Literaturas, em História, em Direito, em Ensino Básico, em Educação de Infância, “concorria-se”, no sítio e no momento adequado, e logo lá se ficava. Depois, passados uns meses, eram logo “Psicólogos”, eram logo “Sociólogos”, eram logo especialistas em “Novas Tecnologias”. Depois lá iam fazendo uns trabalhinhos, as mais das vezes impublicáveis, e orientados por outros como eles, e depressa ficaram Doutores e Catedráticos.
Aproveito para deixar um abraço aos professores que conheço nessa área, e que são o o oposto disso. Mas esses, pouco aparecem.
Digamos para terminar, que as Ciências da Educação ganharam má fama, mas foram os seus mentores que as puseram a jeito.
Um abraço.
mcgs07 said:
Crato vem dizendo as suas verdades há já um certo tempo e a reacção de muitos colegas meus foi -“ele está no superior, não conhece a realidade do não superior”. Não é tão moda assim. Agora e só agora é que o anti-eduquês ganhou projecção, é fenómeno muito recente. Mithá Ribeiro já há algum tempo que diz mais ainda e fez tese nisso. Mas Mithá é do Atlântico e está catalogado , não é? Assim vai a lucidez da esquerda. Vamos ver se este comentário é publicado ou não, ou o meu computador está a fazer coisas estranhas ou o meu comentário aos “bons espíritos sossegados” foi censurado ontem.
Miguel Pinto said:
Concordo com essa “tese”(?): o probema da educação é do “advoquês”.
fjsantos said:
Caro(a) mcgs07,
O ponto não tem a ver com a paternidade do ataque ao eduquês.
Quanto a mim o que importa desmistificar é a confusão entre eduquês e Ciências da Educação e em particular com a investigação em Educação.
Aquilo que deve ser objecto de crítica é o discurso político que aproveita alguma investigação científica na área educativa, para justificar a aplicação de uma agenda partidária que anda a reboque das instâncias de regulação internacional.
Quanto à ligação de Mithá Ribeiro à Atlântico é perfeitamente irrelevante nesta discussão.
Os ataques às Ciências da Educação através da ridicularização do eduquês não são um exclusivo dos neo-liberias, dos neo-conservadores ou de alguma esquerda com saudades da “autoritas” professoral.
Nota: Como expliquei no outro post, os seus comentários foram desviados como spam sem que tivesse havido qualquer intervenção da minha parte. Libertei-os assim que tive conhecimento do que tinha acontecido.
Se algo me aproxima dos Liberais é um verdadeiro apego à Liberdade, o que me faz rejeitar à priori qualquer tipo de censura.
Neste blogue serão publicados todos os comentários, mesmo aqueles de que discordo profundamente, a menos que contenham linguagem que eu próprio não use no meu quotidiano.
A. Lima said:
A(s) Ciência(s) da Educação existe(m) têm uma já considerável história e hão-de afirmar-se cada vez mais apesar dos ataques “corporativos” de alguns oriundos de outras áreas disciplinares. Assim saibam os pedagogos e outros cientistas da educação, em geral, trabalhar com rigor e empenho. Obviamente que a(s) ciência(s) da educação não são e provavelmente nunca serão uma “ciência exacta” como o não são a psicologia, a sociologia, a história etc. Mas se calhar a biologia e a química também não são assim tão “exactas” e não é por aí que vem mal ao Mundo
O “eduquês” é uma desonestidade intelectual, um negócio e…existe.
É uma desonestidade intelectual porque foi criado e é usado para denegrir, fugindo a qualquer debate sério, todos os pontos de vista que são defendidos por aqueles que procuram estudar/reflectir sobre educação. Diz-se ” isso é eduquês” e já não é preciso analisar nem rebater seriamente tal ponto de vista.
(É curioso que o termo eduquês surgiu por “bincadeira” de Marçal Grilo para contrariar posições da sua Secretária de Estado Ana Benavente…)
O “eduquês” foi propagado e comercializado a partir da editora Gradiva que, após ter visto recusado pelo M.E. um subsídio que pretendia para a publicação de um livro, passou a ganhar dinheiro com o combate ao “eduquês” A essa editora estão (ou estiveram) ligados quase todos os pioneiros do combate anti-“eduquês”: Guilherme Valente (dono da Gradiva), Nuno Crato (amigo de Guilherme Valente publicou na Gradiva), David Justino (amigo de Guilherme Valente, publicou na Gradiva), José Manuel Fernandes (amigo de G. Valente e de David Justino acrescentou o Público à cruzada/negócio), Mitha Ribeiro (coitadinho…publicou na Gradiva). O “anti-eduquês” é pois uma miscelânea ideológica que tem constituído um bom negócio para a Gradiva e para o Público.
No entanto, o eduquês existe !
No sentido em que alguns dos autores atrás citados (nomeadamente Nuno Crato) têm utilizado diversos textos sobre educação para hipervalorizarem a sua ininteligibilidade pode-se dizer que “esse” eduques é uma realidade.
Mas de que literatura estamos a falar ?
Normalmente os textos que são utilizados para ilustrar o que é o eduquês são (extractos de) documentos do Ministério da Educação. São, em geral, preâmbulos de legislação sobre educação.
Esses textos são produzidos pelos tais perigosíssimos pedagogos ( e outras gentes das Ciências da Educação) que dominam o M. E. ?
Acontece que no Ministério da Educação há muito poucos quadros com formação específica em Ciências da Educação (pois é..essa é outra das fraudes que de tantas vezes repetida quase se tornou verdade).
Nos últimos trinta anos, a dirigir o M.E. (ministros e secretários de estado) contam-se pelos dedos das mãos os que tinham formação (ou conhecimentos específicos) em Ciências da Educação (quem duvidar faça o exercício de ir ler os respectivos currículos). Se formos consultar a lista de directores gerais, subdirectores-gerais e directores de serviços veremos também que é reduzidíssimo o número dos que têm como formação Ciências da Educação (na melhor das hipóteses há alguns tiveram umas cadeiras de pedagogia ou psicologia durante a sua formação como professores de biologia, de matemática ou outra coisa). Julgo que, neste momento, no M.E. desde a Ministra até aos Chefes de Divisão (o que significa umas dezenas de quadros) haverá umas cinco pessoas com efectiva formação em Ciências da Educação (claro que estou a incluir o Valter Lemos)
Mas o mais interessante é que em geral esses tais textos sobre educação que Guilherme Valente e Cia utilizam para zurzir no eduquês foram escritos ou por juristas ou outros assessores ao serviço dos gabinetes ministeriais (muitas vezes importados para uma temporada no ME directamente de qualquer empresa ou de casa dos pais que por acaso até são políticos influentes) ou eventualmente por alguns secretários de estado também eles advogados, engenheiros, gestores e outras coisas, sem qualquer formação em Ciêncais da Educação.
De facto, por exemplo, os preâmbulos escritos pelo secretário de estado Abílio Morgado (que veio da TAP directamente para dirigente do ME com David Justino) são hilariantes exemplos de eduquês.
Assim, o eduquês existe enquanto linguagem que por vezes é utilizada por alguns desconhecedores da Educação (engenheiros, advogados, matemáticos, etc) quando escrevem sobre temas educativos.
Mas não culpem as Ciências da Educação, por favor.
Luís Marvão said:
A lógica corporativa também existe no, para alguns, imaculado reino das ciências da educação.
FFSantos quer tapar o sol com a peneira, ao vir a terreiro com o argumento de que os sucessivos ministros eram alheios ao universo das ciências da educação. No entanto, mais à frente, logo diz que estes tinham de legitimar as suas decisões em estudos. técnicos… Aqui é que está o cerne da questão, e FSantos entra em contradição de termos.
No resto, o post não passa de uma profissão de fé. Estou cada vez mais convencido de que, entre os pares das ciências da educação, o escrutínio é quase nulo.
fjsantos said:
Luis Marvão,
ainda não consegui perceber se tem dificuldade em entender e analisar um texto na sua totalidade, por pequeno que seja, ou se é mesmo um profissional da desonestidade.
O que está escrito por mim, no post que comenta, é que os sucessivos ministros da educação, quase todos alheios às Ciências da Educação, usaram e continuam a usar os estudos para embelezar os preâmbulos dos DL. Já quanto ao articulado, isto é, quanto à regulamentação efectiva, é obra de juristas e funcionários partidários.
Se não sabe disso por experiência própria, será melhor perguntar aos amigos que terá espalhados pelos corredores do poder.
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