Circula pela blogosfera a história de uma aluna de um “liceu de referência” do Porto (e já agora do País) que teve um comportamento indisciplinado (e merecedor de reprovação pública) para com a sua professora, dentro da sala de aula.
Segundo o que pude observar no vídeo disponível no “youtube”, a professora terá confiscado o telemóvel à aluna e esta, revoltando-se, terá exigido à professora a devolução do objecto, tendo mesmo ultrapassado os limites do tolerável, quer em termos verbais, quer em termos físicos.
Li diversos comentários, tanto no site do jornal que divulgou a notícia, como em vários blogues. Em termos gerais as posições balançam entre a condenação da aluna e a crítica à professora, por esta última não ter sabido ou não ter conseguido manter a disciplina na sala de aula.
Em nenhum dos comentários vi abordada a questão, que aqui é fundamental, do entendimento da diversidade como um factor determinante na Escola Pública do século XXI.
Não me interessa agora condenar ninguém. A perspectiva imediatista da punição da aluna pelo comportamento inadequado, ou a censura da professora pela incapacidade de “controlar” a sala de aula, são questões menores.
O problema fulcral e à volta do qual se está a fazer um debate inquinado sobre a “qualidade” da educação tem a ver com a descontinuidade dos conceitos em que assentam os modelos de uma escola para todos, como existe no Ensino Básico obrigatório e uma Escola só para alguns, uma Escola de Elite, que ainda se constitui como uma escola propedêutica para o Ensino Superior, como continua a ser o Ensino Secundário.
Para mim o que fica retratado no vídeo daquela situação de indisciplina, não é a “falta de pulso” ou “falta de autoridade” da professora. Nem a “má educação” da aluna. É sim a incapacidade que a professora demonstrou de lidar com a diversidade que lhe entrou pela sala de aula dentro. É a sua incapacidade de entender que a autoridade não é outorgada por uma entidade suprema, nem está associada ao exercício da sua função docente.
Numa escola a que só alguns tinham acesso os símbolos do poder que eram aceites por uma classe e, como tal, respeitados pelos respectivos filhos eram apenas contestados como forma de afirmação de adolescentes à procura da sua entrada no mundo adulto.
Numa escola a que todos têm acesso muitos desses símbolos são incompreensíveis e enquanto tal rejeitados como violentadores da individualidade dos alunos. É por isso que não é possível reproduzir estereótipos que funcionavam há trinta, quarenta anos atrás. Como tal cada professor tem que aprender a lidar com a diversidade e conseguir obter o reconhecimento da autoridade, a qual tem que ser fundada em princípios de justiça, equidade e diálogo concertado.
Para isso os professores do Ensino Secundário têm que perceber que o diploma que outorgam no final do seu ciclo de estudos pouco ou nenhum valor tem para os seus alunos e para a sociedade em que eles estão inseridos. E a breve prazo, com o aumento do número de licenciados, também esse título deixará de ter o valor de mercado que tinha para uma classe média expectante em termos de ascensão social.
Infelizmente, a generalidade dos professores “do liceu” tem vivido demasiado afastada da realidade da escola de massas. Apesar da enorme explosão verificada no acesso à escola e do aumento exponencial do número de alunos no ensino secundário, a possibilidade que até há pouco tempo estas escolas tinham de excluir os alunos problemáticos permitiu-lhes viver numa redoma, que nada tem a ver com a Escola Pública de massas. A chegada e permanência de muitos alunos que não possuem as referências de classe média e não valorizam a ascensão social, que eventualmente o diploma do secundário lhes poderia permitir, introduziu perturbações no sistema, de que a história retratada é apenas um exemplo.