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O comentador Zé Barreto deixou um texto na caixa de comentários ao post «O “eduquês” que existe». Como me parece ser um texto que merece destaque, reproduzo-o aqui:

O “eduquês”

A palavra eduquês não foi cunhada por Nuno Crato, como muita gente pensa, mas pelo ministro da Educação Marçal Grilo, do governo socialista de António Guterres. O termo de Grilo referia-se criticamente ao jargão pomposo, mas vazio e incompreensível, com que certos pedagogos do dito ministério redigiam os seus relatórios. Uma “linguagem retorcida, falsamente académica e obtusa”, escreveu em 2007 sobre o eduquês o filósofo Desidério Murcho, que observava também isto: “Regra geral, quanto mais obscuro é um texto, mais o autor tem incompetências a esconder.” Até aqui, tudo bem.

Eis senão quando o genial Nuno Crato se apropria do termo de Marçal Grilo, fazendo dele título do livro “Eduquês” em Discurso Directo (Gradiva, 2006), mas conotando-o arbitrariamente com as doutrinas pedagógicas do chamado “facilitismo”. Quando hoje se fala em eduquês, evoca-se a messiânica figura de Nuno Crato, o mais recente salvador da educação em Portugal. Crato sabia muito bem que todo o português medianamente sensato é alérgico ao facilitismo, mas sabia melhor ainda que ao abordar o assunto estava a acariciar uma zona erógena do público conservador, esse mesmo que coloca os filhinhos em escolas privadas, mas está sempre a dizer mal do ensino público, porque alegadamente lhe vai ao bolso. A jogada publicitária de Crato rendeu bem, como a sua carreira posterior exemplifica.

A crítica do facilitismo é pau para toda a obra, usado alternadamente, e até simultaneamente, com a crítica do insucesso escolar. Se há muitos chumbos, é a falência do sistema de ensino, se há poucos, é o cancro do facilitismo. Entre a falência e o cancro, o Ministério da Educação tem ainda cento e tal mil professores à perna, que não querem ser avaliados. Não os avaliar é irresponsabilidade (e facilitismo), avaliá-los é prepotência. Estás feito ao bife, Ministério.

Pelos sentimentos catastrofistas e irracionais que frequentemente desperta, a crítica do facilitismo é um argumento de eleição (e de eleições) contra a democratização do ensino, que é assim responsabilizada pela falta de educação que os pimpolhos levam de casa para a escola. A crítica do facilitismo do sistema iliba de responsabilidades o facilitismo das famílias e reconforta os contribuintes que fogem ao fisco.

A partir do livro do Crato foi a desbunda total, cada qual puxando a semântica para a sua brasa. O matemático Jorge Buescu, por exemplo, identificou no “eduquês” uma doutrina global, já não só portuguesa, mas mundial, abrangendo países da primeira linha, como a Grã-Bretanha. Essa doutrina global preconizaria, idiotamente, o “desaparecimento dos conteúdos” no ensino, o “esvaziamento do currículo”, em nome duma estúpida luta contra o “formalismo” do ensino. Segundo os depravados propagandistas do “eduquês” (explica Murcho), o formalismo consistiria, em “repetir sem compreender palavreados, fórmulas, factos, datas.” Ora a crítica do formalismo teria levado (segundo Murcho) os pedagogos do “eduquês” a preferirem os debates, as “exposições da treta” e os “teatrinhos de trazer por casa” à realização de testes e exames. O Murcho jura que sim.

Inevitavelmente, veio depois um pateta qualquer e disse que o eduquês se resumia afinal em decorar ideias “politicamente correctas”, parvoíces vagas e sem substância, como a ecologia e o anti-racismo. Veio outro imbecil e proclamou, convictamente, que o eduquês era “a política de educação da esquerda.” Não sei se já alguém descobriu que o inventor do eduquês foi José Sócrates ou o falecido Bin Laden. Aguardo desenvolvimentos.

Zé Barreto, 26 de junho de 2011