A Isabel Campeão, autora do blogue Memórias Soltas de Prof, enviou-me um comentário em que afirma a sua determinação de continuar a votar na CDU mas coloca uma dúvida que a atormenta, como é provável que aconteça com muitos outros portugueses que se reconhecem nas posições defendidas pela CDU e têm consciência da necessidade de fortalecer o voto de esquerda.
Francisco, venho aqui não tanto por este teu último post, mas porque já é 6ª feira, último dia em que é permitido fazer campanha pública. Eu sei que o PCP tem toda a razão em rejeitar o acordo e apoiei totalmente que tenha recusado participar em encontros com a troika. Também não tenho qualquer dúvida em votar onde sempre votei (somos camaradas). Mas pego na notícia: “Jerónimo salienta que o PCP não tem uma postura de «quanto pior, melhor» para capitalizar os sentimentos de descontentamento das pessoas” (eu sei que não tem essa postura) para te dizer uma coisa que não tenho compreendido bem por parte do Jerónimo de Sousa e talvez me possas responder. O ataque cerrado a Sócrates, por toda a razão que tenha (tem), tem prevalecido em prejuízo da denúncia do ainda pior Passos Coelho. Este, para mim, é aterrador, de um neoliberalismo extremo, e, se dependesse dele, destruiria a nossa Constituição (agora não o diz, mas percebeu-se bem quando começou a aparecer), além de nem competência/preparação ter. Ora, o realismo leva-nos a saber que a CDU, mesmo que suba, nunca, infelizmente subirá muito. E confesso-te que, apesar de tudo o que tenho contra Sócrates, se eu fosse das pessoas que optam por “voto útil” (mas não na CDU), até engoliria o sapo de votar PS porque Passos Coelho é ainda mais assustador.
Em suma: O PS até é mais à esquerda (ou menos à direita) quando está na oposição, mas está a acentuar-se o perigo de uma maioria absoluta PSD+CDS, o que deixará a oposição sem nada poder impedir. Além de que não acredito que se possa contar com Cavaco para obrigar, nesse caso, a uma participação bem mais alargada no Governo.
Desculpa este testamento, mas és a única pessoa dos blogues que conheço/acompanho a quem pôr esta minha… digamos, perplexidade perante o alvo maior do Jerónimo ao PS do que ao PSD. Não é crítica, pois o que me acontece é que não tenho compreendido.
Se não tiveres tempo de me ler e comentar… fica o desejo de que, no domingo, se verifiquem exageros nas sondagens, quer nas mais altas, quer, ao contrário, na CDU, isto é, que haja a boa surpresa de estarem a errar consideravelmente para baixo nos resultados da nossa CDU.
Um abraço.
O que posso dizer sobre o assunto é o que penso e sintetiza-se da seguinte forma:
- Os dirigentes do PS são, em Portugal, a encarnação dos políticos voodoo desde que o I governo constitucional de Mário Soares tomou posse.
- A categoria “político voodoo” aplica-se àqueles políticos que, através da manipulação das percepções e imagens, levam os seus apoiantes a acreditar que são aquilo que dizem nos seus discursos, e não o que as suas práticas efectivamente demonstram.
- Ao longo de 35 anos o PS vem enganando os seus eleitores e apoiantes, ao utilizar um discurso de esquerda e de defesa dos trabalhadores e dos mais desfavorecidos, ao mesmo tempo que elabora e apoia legislação que beneficia inequivocamente o capital e os accionistas das grandes multinacionais.
- O enorme esforço que foi feito nas últimas semanas, pela generalidade dos comentadores e órgãos de comunicação social, para evitar que o PS tenha uma derrota estrondosa e humilhante, deve-se ao receio que o capital tem de que um PS pouco acima dos 20% se transforme numa verdadeira força de esquerda, e passe a inviabilizar as alterações constitucionais de que o neoliberalismo necessita para manter a sua fachada democrática.
- Essa é a ameaça velada que foi feita por alguns dirigentes do PS, nomeadamente por António Costa, quando alertaram para o perigo de o afastamento do PS do governo se poder traduzir num aumento da contestação na rua. Evidentemente que estes dirigentes do PS nunca dirão que só viabilizam as alterações da legislação que carecer do seu apoio se fizerem parte do pântano central, mas é com esse risco que ameaçam os seus parceiros de negócios em que transformaram o estado central e o estado local, onde partilham os lugares de administração de empresas públicas e municipais.
- É por isso que para quem queira vir a ter um governo de esquerda em Portugal, demore o tempo que demorar, o voto no PS é a maior inutilidade que se possa imaginar. Porque servirá, como sempre serviu, para viabilizar as políticas que os dois partidos à sua direita nunca conseguiram aplicar sozinhos.
- É também por isso que estou convencido que só quando a diferença entre o PS e os partidos à sua esquerda for substancialmente diminuída é que poderemos aspirar a ter um governo amigo dos portugueses que mais necessitam de justiça, equidade e segurança nas suas vidas.
- Finalmente, sobre a questão da eventual maioria do PSD com o CDS, cada voto que ajude a eleger mais um deputado da CDU (e também do BE) é um voto a menos nos dois partidos da direita. Desse ponto de vista é preciso não esquecer que os deputados que o PS vier a eleger são potenciais votantes das leis que PSD e CDS vão apresentar na AR, para dar cumprimento às propostas da troika estrangeira e, como tal, em nada fazem perigar os objectivos de Passos Coelho.
Isabel, espero com isto ter-te ajudado a resolver essa dúvida. Aproveito para te agradecer a oportunidade de expressar este ponto de vista, acreditando que isso possa ajudar alguns indecisos a perceber que o único voto útil é o que expressa as nossas convicções profundas. No nosso caso é o voto na CDU.