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O Mário Machaqueiro escreveu um texto com algum rigor analítico, que pode ser lido aqui e aqui.
Trata-se de uma clarificação da sua posição pessoal, que é de saudar, ao mesmo tempo que procura contestar algumas das críticas que são feitas à tomada de posição que enuncia relativamente à auto-avaliação.
Por se tratar de um texto em que há uma intenção de debater ideias, apesar de alguns argumentos apenas poderem ser entendidos à luz das lentes pelas quais o Mário vê a contestação às políticas educativas deste governo, ainda assim penso que merece o respeito de um contraditório analítico.
Para simplificação da análise, separarei o texto em duas partes.
Na primeira encontra-se a argumentação de defesa da posição radical que o Mário acha necessário assumir, por contraposição ao ataque às posições que ele considera conciliadoras. Mesmo que para isso seja necessário alguma dose de revisionismo, relativamente à história dos últimos dois anos.
Na segunda fica a crítica ao sindicalismo que, segundo o Mário, é absolutamente conciliador e pouco consequente com a defesa dos direitos laborais, sendo necessário ser substituído de forma a revolucionar as relações de poder no seio da sociedade em que vivemos. Sem que no entanto seja enunciada a consequência lógica relativamente a quem e como deve tomar o poder.
1ª parte
- O Mário começa por afirmar que os professores que não entregaram os OI’s o não o fizeram porque achassem que a lei não os obrigava, mas apenas porque exigiam a suspensão imediata do modelo.
- Admito que fosse essa a perspectiva dele , tal como a dos colegas com quem mais debateu o assunto. No entanto não foi esse o entendimento de muitos outros, entre os quais me incluo. Sempre excluí do discurso o “imediatismo” das soluções reivindicadas. Sempre me pareceu que a argumentação da plataforma sindical (com a qual concordo desde os tempos do memorando, que constituiu a pedra de toque na minha divergência com os movimentos) defendia a não obrigatoriedade de entrega dos OI’s. De resto, até o famoso parecer Garcia Pereira foi claro quanto à não obrigatoriedade de entrega dos OI’s.
- Por tudo o que aduzi no parágrafo anterior, parece-me que a interpretação do Mário Machaqueiro é algo abusiva e enviesada, fruto de um “whishfull thinking” que o leva a distorcer a realidade.
- A partir daqui o corolário enunciado deixa de ser sustentável, pelo que carece de fundamentação a afirmação de que, para rejeitar o modelo que todos achamos errado e contra o qual lutamos, é necessário recusar o acto de auto-avaliação. Em minha opinião isso corresponde a deitar fora o bébé com a água do banho.
- Na verdade, a auto-avaliação é um princípio do qual os professores não devem abdicar, porque ele constitui o último bastião da defesa da especificidade reflexiva da função docente. Se ainda não deram por isso, os professores mais radicalmente empenhados no combate ao ministério deveriam perceber que é possivel avaliar e classificar sem que os avaliados participem no processo.
- Evidentemente que o Mário Machaqueiro, e quem tem posição idêntica, tem todo o direito à opinião, pelo que pode achar que quem não pensa como ele(s) está a pactuar com o inimigo. As opiniões são pessoais e valem o que valem.
2ª parte
- A partir daqui o Mário Machaqueiro passa à segunda fase, na qual se atira (com a razão que lhe assiste) aos sindicatos em geral, e aos sindicatos que melhor têm conduzido a luta dos professores em particular. Apesar de ser consensual entre os professores que a Fenprof e Mário Nogueira têm constituído um entrave absoluto à estratégia do ministério, Mário Machaqueiro refere explicitamente a Fenprof como defendendo posições nos antípodas das suas próprias posições (fica até a ideia de que a FNE, a Fenei, o Spliu ou outra qualquer organização com ligações conhecidas ao PS ou ao PSD têm posições mais de acordo com as defendidas por ele).
- Daqui avança para a explicitação da ideia de que é necessário avançar para a desobediência civil, enquanto uma revolução que incomode e que permita, tal como aconteceu nos finais do século XIX e princípios do século XX, a conquista dos direitos laborais que estão a ser roubados.
- Concordando em abstracto com a ideia, fica no entanto por responder uma pequena dúvida: se o Mário Machaqueiro sugere a necessidade de uma revolução, isso pressupõe a alteração das relações de poder no interior da sociedade em que essa revolução há-de ser feita. A consequência lógica será a substituição de quem está no poder por “outra gente”. Só que sobre quem será “essa gente” o Mário Machaqueiro nada nos diz. Evidentemente que podemos supor que não quererá os proletários da Fenprof (e por arrasto quem tenha ligações ou simpatias mais à esquerda – PCP, BE, RC, etc.). Será que daí podemos concluir que ele espera que com os partidos da direita o seu “sindicalismo revolucionário” (para o qual nos remete neste outro texto) vá conseguir recuperar os nossos direitos laborais.
Aguardo com curiosidade a solução do enigma.
Francisco,
Na falta de argumentos e de vontade genuína de encetares uma discussão séria, recorres à estratégia da insinuação. Não deixa de ser um jogo engraçado, a que eu também me poderia entregar. Por exemplo: À força de fazeres tantos elogios, mais ou menos lambuzados, ao Mário Nogueira e à Frenprof, podemos supor que andas à procura de uma posiçãozinha na direcção da Fenprof. Ou então: Pela forma como imputas aos outros, sem a mais pequena consistência argumentativa, eventuais posições de direita apenas para desqualificares os seus argumentos, sem verdadeiramente os discutir, podemos pressupor que frequentaste a escolinha do José Estaline e que nela obtiveste excelentes classificações, já que nessa escolinha a técnica da difamação é parte integrante do currículo.
É claro que não te vou responder à letra, nem vou resolver o teu suposto «enigma» cuja solução, aliás, conheces perfeitamente (só a tua má-fé consegue fingir que não). Mas há um pormenor significativo que destaco no teu comentário: o facto de quereres afunilar dentro de uma política partidocrática o tema que eu tento discutir no meu texto. É muito curioso que não consigas pensar a tal «alteração das relações de poder» fora do quadro partidário (à esquerda ou à direita). Não percebeste, portanto, que eu estava a falar de outra coisa.
Mário,
De facto existe uma “pequena” divergência nas abordagens que fazemos a estas questões comezinhas.
Tu colocas tudo num plano ideal e pareces esquecer as pessoas concretas, que vivem uma vida concreta e que têm que responder às questões de um quotidiano concreto.
Nesse mundo ideal é perfeitamente possível pairar acima dos problemas, analisá-los à lupa e não nos comprometermos para além de débito de uns conselhos ou do anúncio da nossa conduta individual (o que nos permite manter a postura individualista, que está na base dos princípios liberais).
No mundo real, em que as pessoas têm que viver e conviver em interacção com o outro, não chega ter essa postura analítica. É preciso partilhar, ser capaz de ultrapassar o pensamento individual, para nos pormos ao serviço do colectivo.
É nessa clarificação das escolhas que não encaixa o eventual apartidarismo e independência de que te reclamas.
No mundo real, não nos comprometermos é já uma forma de compromisso, que em última análise beneficia os donos do jogo.
Mas, Francisco, por que inferes que, do facto de eu não estar a incluir (também não estou a excluir, note-se) as organizações partidárias na minha equação estou necessariamente a cingir-me a uma postura individualista? Não é possível conceber formas colectivas de intervenção política para além do quadro das organizações tradicionais da representação política que, em grande medida, têm confiscado o espaço público em Portugal? (muito por culpa, é verdade, de uma demissão despolitizada dos cidadãos cujas raízes sociais e políticas não cabe aqui escalpelizar) Já sei que não gostas de ouvir (ou ler) isto, mas o surgimento dos movimentos de professores, à margem dos partidos e dos sindicatos, é um exemplo, ainda muito incipiente, de que é possível encetar formas de acção política não individual que não estejam confinadas ao horizonte das estruturas habitualmente presentes. Sublinho que «à margem» não significa «contra», mas pode significar «ao lado de».
Como já referi noutros lados, tenho fortes dúvidas de que os sindicatos que temos sejam transformáveis «por dentro», como tu e outros advogam – ainda que o que entendamos por «transformação» seja certamente muito diferente. Há uma blindagem oligárquica nessas organizações que absorve e inibe qualquer projecto de refundação séria do sindicalismo, de tal maneira que, muito provavelmente, só com novos sindicatos, repensados de raiz, se poderia operar a transformação de que falo no meu texto.
Quanto ao quadro partidário português e ao impacto que, numa próxima legislatura, ele possa ter na luta dos professores, essa é toda uma outra conversa que eu até gostaria de ter contigo nesta troca de mensagens (pois tens escrito coisas interessantes sobre o assunto), mas que tem de ficar para uma outra vez (provavelmente quando voltares ao tema).
Provocação final: deixa-me dizer-te que expressões como «pormo-nos ao serviço do colectivo» traem demasiado certas afinidades ideológicas. Nada contra. É só uma constatação.