Não sei quantos estiveram na manifestação em Lisboa, nem penso que mais centena de milhar, menos centena de milhar, isso seja determinante para o derrube destas políticas de ruína.
Sei que foram mesmo muitos e que quando cheguei ao Marquês de Pombal, às quatro da tarde, já não se via a cabeça da manif. Também sei que só cheguei ao Terreiro do Paço muito perto das sete da tarde e quando já muita gente subia a Rua do Ouro. Depois do grupo em que vinha integrado ter entrado na praça, ainda havia milhares de manifestantes a descer a rua.
e para a festa ter ainda maior significado, o Rafael fez a sua estreia numa manif e acompanhou as palavras de ordem do movimento “1% prá cultura”
Como expliquei há uns dias, fui à manifestação em Lisboa por concordar com as palavras de ordem anunciadas no cartaz que a convocava:
Democracia Representativa;
Transparência nas Decisões Políticas;
Direito ao Trabalho com Direitos, à Habitação, à Educação, à Saúde e à Cultura;
Contra a Privatização dos Recursos Naturais e Sectores Estratégicos.
Não sou capaz de me pronunciar sobre o número de manifestantes, mas tenho a convicção de que nunca, depois do verão de 75, o largo frente à Assembleia da República esteve ocupado por tanta gente, durante tanto tempo. Ouvi vários manifestantes, entre os quais alguns emigrantes mais velhos do que eu, afirmarem que havia ali mais gente do que num estádio de futebol em dia de derbi (o que apontaria para mais de 50/60 mil. Não me parece, no entanto, que isso seja o fundamental. Porque o que verdadeiramente contou, no desfile e manifestação em frente à AR, foi a determinação dos presentes em não se acomodarem às inevitabilidades.
A criatividade e espontaneidade das palavras de ordem e das cantigas entoadas por milhares de vozes foi entusiasmante, tal como foi comovente ouvir e ver jovens nascidos depois da revolução, em perfeita comunhão com gente mais velha, gritarem bem alto “O Povo Unido Jamais Será Vencido” e cantarem a uma só voz “Troika Não, Troika Não, Troika Não”.
Para fixar para a posteridade fica o momento em que o povo, incentivado por um jovem indignado, desempregado, mas com uma aguda consciência social e de classe, ultrapassou o medo e voltou a ocupar as escadarias da Assembleia da República. Nesse momento de tensão, que ali se viveu, ficaram claras algumas ideias:
É possível ultrapassar o medo e ganhar a batalha;
Há, no seio das forças policiais, muitos agentes que sabem qual o seu lugar nesta luta de classes; daí a calma e contenção na hora em que ocorreu a tomada das escadarias, que poderia ter sido o início de confrontos que a esta hora muitos lamentariam;
Sente-se um desejo de unidade na acção que permita ultrapassar divergências estratégicas face a um inimigo comum e poderoso;
O Povo Unido Não Será Vencido;
Um último registo para confortar todos quantos imaginam que a polícia não sabe cumprir o seu papel da apoio aos poderosos. Fiquem descansados, que todos quantos passaram ontem pelo largo fronteiro à Assembleia da República fomos convenientemente fotografados e filmados por um diligente agente, que nem se incomodou em que o seu trabalho ficasse gravado para memória futura.
Desse dia guardo dois sentimentos contraditórios. O primeiro, talvez o mais forte, a enorme sensação de alegria e satisfação por participar numa manifestação que ultrapassou tudo o que era expectável, sobretudo quando parecia que nada havia a fazer. O segundo, um pouco mais amargo, que foi a clara percepção de que muitos daqueles rostos que ali encontrei (e que também desceram a Avenida da Liberdade com entusiasmo) não estavam ali exactamente pelos mesmos motivos que eu.
Daí que sempre tenha tido consciência (e sempre tenha afirmado) que os 100.000 só lá estiveram por “ser contra Maria de Lurdes Rodrigues”, porque no dia em que fosse indispensável ser a favor de qualquer coisa, aquela aparente unidade iria esfumar-se como veio a acontecer.
É certo que ainda foi possível acrescentar mais uns milhares, a todo aquele mar de gente, quando se realizou a manifestação de 8 de Novembro, mas a verdade é que bastou que o ministério anunciasse o fim da obrigatoriedade das aulas assistidas e foi um ver se te avias de professores a entregarem Objectivos Individuais. Apesar de estes nunca terem sido obrigatórios.
Infelizmente, nesse altura, muitos dos 100.000 que tinham descido duas vezes a avenida acabaram por dar razão a um secretário de estado, que tinha tido o despudor de afirmar que «os professores são como os ratos, se se lhes dá uma bolacha querem um copo de leite.» (Auditório da Estalagem do Sado, 16/11/2008)
É tudo isto que mina a alegria que deveria ser a comemoração do 8 de Março como um grande dia na luta dos professores. É um facto que foi um dia de grande importância, mas na verdade esta luta é muito mais do que um momento para viver, recordar e contar aos vindouros. A luta dos professores não começou no dia 8 de Março de 2008 e não acabou a 8 de Novembro. Ela mantém-se e precisa de todos os que se recusam a ser tratados como ratos, mas, pelo contrário, estão dispostos a fazer valer a sua dignidade pessoal e profissional.
É também isso que iremos mostrar no próximo sábado no Campo Pequeno.
Algumas gotas de uma chuva não prevista pelo IM,IP não retiraram o entusiasmo e a determinação dos cerca de 30.000 manifestantes anti-Nato, que desceram a Avenida da Liberdade de forma ordeira e dando uma lição de civismo aos algozes reunidos na parte oriental da cidade.
Ao contrário do alarmismo incendiário das notícias, os manifestantes souberam comportar-se de forma alegre, mas determinada na defesa da Paz e contra os senhores da Guerra reunidos sob a sigla da Nato.
Nem mesmo a forma ostensivamente provocatória como a polícia se mostrou na Avenida da Liberdade, ou a forma caricata como aparentemente defendia algumas instalações comerciais, fez com que houvesse da parte dos manifestantes qualquer resposta , a não ser um ou outro sorriso trocista.
Até por isso é possível afirmar que a única violência a que se assistiu hoje, na Avenida da Liberdade, foi a do aparato policial e do exagero na forma como apareceram equipados de “shot-gun” e cartucheiras enroladas à “Rambo”
E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?
As comparações que certos e determinados analistas da “revolta dos professores” fazem aqui, aqui e aqui, valem o que valem, na medida em que cada analista usa as lentes que melhor se adaptam à sua visão, e parte dos pressupostos teóricos que constituem o seu património pessoal e político. Convém é que os explicitem para não enganar leitores incautos.
Nas várias “crónicas do acontecido”, e nas reportagens fotográficas publicadas em blogues de professores, a participação dos professores é desvalorizada por comparação com as mobilizações de 2008.
É justo não perder de vista que essas grandiosas manifestações fazem parte de um património histórico dos professores, mas convém não tomar a nuvem por Juno ao continuar a alimentar o mito de uma unidade política e de acção de uma classe profissional composta por mais de 100.000 indivíduos, que perfilham ideários diversos e muitas vezes antagónicos, quer em questões políticas e ideológicas, quer de organização da profissão, quer mesmo de ordem deontológica e metodológica.
É à luz destas clivagens que tem que se analisar a participação dos professores na manifestação de ontem, comparando-a com outras iniciativas promovidas pela Frente Comum e pela CGTP e não com os epifenómenos de Março e Novembro de 2008. E nesse contexto, a presença dos professores em mais esta manifestação superou as expectativas, com grande presença dos sindicatos da FENPROF, mas também de outras associações não filiadas na federação.
Também os Professores Unidos marcaram a sua presença e o seu empenho na Luta, dando o seu contributo para a revitalização do SPGL (sindicato de que somos sócios) e mobilizando cada vez mais professores para este combate contra a injustiça e o roubo perpetrado pelo capital contra o trabalho.
Quanto à cobertura noticiosa que a manifestação teve nos media, tudo correu de acordo com o cânone. Incluindo a proverbial ignorância com que nos brindam as caras mais mediáticas que nos entram pela casa dentro, como no caso do jornalista da TVI que resolveu excluir professores, forças de segurança e ASAE do universo dos funcionários públicos… a bem da nação. (ver o vídeo entre 2:15 / 2:25)
Porque os professores também são trabalhadores e porque a manifestação de dia 29 é contra as políticas anti-sociais que afectam todos os portugueses, atingindo de modo mais dramático os mais desprotegidos, TODOS OS PROFESSORES têm o dever de participar.