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O sr. João Marcelino é director de um jornal centenário. Supostamente um jornal de referência e não um pasquim ao serviço de interesses particulares.
O sr. João Marcelino é um jornalista. Desconheço qual a formação académica do sr. João Marcelino e se essa formação era ou não imprescindível para aceder à profissão de jornalista. Como desconheço que formação contínua e que provas públicas é que o sr. João Marcelino teve que prestar para ir subindo na carreira, até chegar a director do DN.
Enquanto jornalista e director de um jornal o sr. João Marcelino emite opinião sobre imensas matérias, supostamente de interesse público e destinadas a esclarecer e informar os seus leitores.
Imaginava eu, na cândida inocência do meu meio século e mais um pouco de idade, que o sr. João Marcelino e os outros jornalistas e comentadores que nos diferentes meios de comunicação social vão formando a opinião pública, procuravam informar-se sobre as matérias das quais falam. Também imaginava que para se informar, antes de emitir julgamentos definitivos, o sr. João Marcelino lia e ouvia as diferentes partes interessadas nos assuntos que comenta.
Não me custa a perceber que o sr. João Marcelino e todos os restantes comentadores encartados tenham as suas simpatias partidárias, futebolísticas, comerciais ou outras.
Já me custa a perceber que tendo-as, finjam emitir juízos independentes e equidistantes, quando na verdade só ouvem, só lêem e só ligam às opiniões e às informações da parte que defendem.
Esclarecido este ponto sobre a minha visão desencantada sobre o jornalismo e os jornalistas que temos, tentarei usar de toda a paciência que a profissão docente me ajudou a cultivar para procurar iluminar as trevas do desconhecimento em que parece quererem continuar a viver.
Para tanto usarei o artigo de opinião que o sr. João Marcelino escreveu no jornal que dirige e que foi publicado no dia 1 de Março, sob o título «A AVALIAÇÃO DA MINISTRA».
No primeiro parágrafo o sr. João Marcelino procura demonstrar a sua independência face ao poder e o seu posicionamento imparcial. Esse exercício é tentado através da afirmação de que não convive com a ministra, mas também de que teria ouvido o seu discurso e as reacções que vem suscitando.
Convenhamos que para fundamentar uma opinião sobre o conflito entre duas partes não basta ouvir o discurso de uma das partes e ouvir que a outra parte se manifesta contra. Necessário seria ouvir também o discurso do oponente da primeira parte, o que aparentemente o sr. João Marcelino não fez.
Apesar disso o sr. João Marcelino não se coíbe de adjectivar como corporativa a reacção que reconhece estar a haver por parte de todos os professores, usando esse adjectivo com a conotação pejorativa que, na perspectiva do poder, poderá inibir uma parte da profissão de participar nos protestos.
Infelizmente para o sr. João Marcelino, para os outros coadjuvantes do poder e para o próprio poder representado pelo ME, os professores são gente com formação de nível superior (licenciatura para o ingresso na carreira e, em número significativo, mestrado ou doutoramento como formações pós-graduadas), o que lhes permite não se deixarem ludibriar com truques de propaganda para analfabetos.
Neste particular devo até reconhecer ao governo actual o mérito de ter feito nascer uma corporação que não existia no seio de uma classe profissional profundamente dividida.
Mais à frente o sr. João Marcelino afirma que “a contestação, que começou por ser sindical (leia-se: organizada pelo Partido Comunista Português), tem na actualidade uma dimensão geral que deve obrigar a ministra a alguma reflexão, porventura a questionar não o sentido das suas convicções mas o timing de implementação de todas as medidas que considera imprescindíveis para termos uma escola de qualidade – mais profissional e competente.”
Sobre esta afirmação é preciso alguma clarificação:
Em primeiro lugar é preciso saber a que tempo da contestação sindical o sr. João Marcelino se refere. Se fala do processo que vem decorrendo desde a aprovação do novo Estatuto da Carreira Docente, tem razão quanto à sua origem sindical, embora não possa reduzir tudo à acção do PCP. Vários sindicatos da Fenprof são de influência ou têm nas direcções muitos militantes do PS e não foi apenas essa federação a contestar o estatuto. Já se a sua referência se situa num momento mais próximo, em particular o que tem sucedido desde Janeiro deste ano, então a afirmação revela ignorância ou má fé.
É que tudo o que aconteceu desde Janeiro e em particular desde que o novo regime de gestão escolar foi posto em discussão pública ao mesmo tempo que foram publicados os regimes de avaliação docente, do ensino especial, do estatuto do aluno e do ensino artístico, nada tem a ver com sindicatos e/ou partidos.
Este foi um movimento de bases, genuinamente apartidário e assumidamente corporativo, no sentido em que as corporações devem auto-regular o exercício do ofício e a prestação do serviço que fornecem ao público que servem.
Enquanto membro activo desse movimento afirmo com orgulho que os dois primeiros objectivos estão cumpridos com pouco mais de um mês de existência – união dos professores com mobilização total de todos os sindicatos e visibilidade do movimento junto da opinião pública e da corporação dos jornalistas. Há dois meses ninguém sabia o que se passava com os professores e as escolas e hoje as nossas manifestações abrem telejornais e fazem primeiras páginas e editoriais.
Em segundo lugar é fundamental perceber que o problema não é da ministra nem do timing da implementação das medidas. A questão que está em discussão é a das opções políticas. O verdadeiro problema são as políticas públicas de educação propostas pelo actual governo, sob a orientação das agências internacionais, que apontam caminhos neo-liberais na retórica, neo-conservadores no articulado legislativo e cerceadores da autonomia e da qualidade do ensino e da aprendizagem, por opção economicista imposta do exterior.
Mais à frente o sr. João Marcelino disserta sobre o desconhecimento que os professores terão dos procedimentos de avaliação que, segundo ele, são comuns a todas as empresas. Nessa sua ânsia esclarecedora o sr. João Marcelino vai ao ponto de afirmar que: «A maior parte deles manifestamente não sabe que os objectivos individuais contra os quais se rebelam são simples adaptações de modelos técnicos que funcionam noutras actividades e praticados pelas grandes empresas especializadas na avaliação de recursos humanos.»
Infelizmente, digo eu, o verdadeiro problema é que nem ele sabe, nem os nossos governantes percebem, que os modelos de gestão e administração empresarial não são aplicáveis por simples adaptação ao universo das organizações escolares. Se o sr. João Marcelino e, antes dele, os governantes se tivessem dado ao trabalho de ler e escutar a recente investigação académica sobre administração educacional e administração escolar nunca teriam a coragem de dizer este tipo de barbaridades.
Parafraseando o sr. João Marcelino no parágrafo com que termina o seu artigo, atrevo-me a afirmar que «Se uma das condições para comentar a legislação que vai tutelar a avaliação dos docentes (Decreto Regulamentar n.º2/2008, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 7 de 10 de Janeiro deste ano), fosse provar conhece-la, tê-la lido e compreendido, provavelmente não haveria tanta baboseira sendo escrita e dita por comentadores encartados que fazem a opinião com que os políticos são eleitos neste país.»
É que, entre muitos aspectos mal esclarecidos no articulado do referido decreto regulamentar, subsiste uma questão ética que prejudica à partida a credibilidade do processo e que tem a ver com o facto de avaliador e avaliado serem concorrentes ao mesmo bem escasso: a atribuição da avaliação de excelência.
Esclarecendo, tomemos o exemplo de um departamento em que o avaliador necessita de uma classificação de excelente para acelerar a sua progressão na carreira e sabe que apenas haverá um excelente para atribuir ao seu departamento. Alguém se admirará que ele classifique todos os subordinados com uma notação inferior, reservando para si a menção de excelente a atribuir ao departamento?
Será que situações destas são promovidas pelas empresas privadas? É assim que funciona o sistema de avaliação de desempenho no DN, de que o sr. João Marcelino é director?