Ontem, lendo o prefácio da 2ª edição de «A Cidade e a Infância» de Luandino Vieira, dei por mim a pensar como é que 34 anos depois do derrube do Estado Novo os professores portugueses continuam tão derrotistas, tão abatidos e tão “portugueses suaves”, que um qualquer modernaço, apoiado em três malfeitores, os consegue reduzir à posição de quem se lamenta da vida, mas nada faz para a mudar.
Nesse ensaio, em que Manuel Ferreira prefacia um belo livro de contos de um dos maiores e melhores escritores da língua portuguesa, a obra do escritor é revisitada à luz do combate contra um regime que oprimia todos os cidadãos que não se reviam nas políticas repressivas e anti-democráticas do governo.
A propósito da evolução registada na Casa dos Estudantes do Império (um dos bastiões da defesa da cultura e da luta anti-colonial), Manuel Ferreira escreve o seguinte:
«… conferências, colóquios, recitais de poesia africana como dos que há notícia levados a cabo pela poetisa Alda Lara, já falecida, são a confirmação de que a praxis cultural da Casa dos Estudantes do Império se desembaraçava dos liames da servidão oficial e rumava, de peito aberto, ao coração de África.
Só que as entidades coloniais e fascistas não dormiam. Desconfiadas e raivosas, a tranquilidade vinha-lhes dos zelosos “informadores”, que tudo farejavam. Encerrada pela PIDE em 1947 e aberta depois, logo de 1952 a 1957 e ainda nos primeiros anos de 1961 o governo impõe à CEI uma Comissão Administrativa feita à sua imagem e semelhança, como eram e foram ao longo do fascismo todas as comissões administrativas de clubes, associações recreativas e culturais, sindicatos, organizações estudantis ou operárias.
Simplesmente, é dos livros. A subterrânea força libertadora da inteligência nada a pode deter. Nem a polícia, nem a censura, nem qualquer outro tipo de opressão ou repressão é capaz de suprimir o crescimento da consciência revolucionária. E em 1960 a Casa dos Estudantes do Império volve, agora em força, e mais bem apetrechada pela experiência dos seus associados, ao exercício de uma actividade cultural que se mantém até 1965 (data em que é destruída), como uma das mais importantes tarefas empreendidas, no domínio da cultura, nesse período, em todo o “Império”»
É através da leitura destes relatos de um tempo em que dizer não significava correr risco de vida ou prisão, e em que o desespero e a desistência não tinham nunca lugar, que penso que podemos ganhar ânimo para o que se avizinha.
É certo que os tempos são outros. Apesar de muitos tiques autoritários e ditatoriais, os governos da nova direita que dirigem o país há mais de 20 anos ainda respondem perante o parlamento e o presidente da república e, no limite, a cada quatro anos os portugueses votam em eleições sem fraudes. É por isso mesmo que sabemos que nem esta equipa ministerial é eterna, nem o governo de que ela emana irá permanecer para sempre em funções.
Cabe ao professores serem suficientemente inteligentes, combativos e optimistas, no sentido de garantir que com o fim deste governo (daqui a um ano) se mudem também as políticas anti-educativas e anti-sociais que ele tem desenvolvido.