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Com a devida vénia ao Matias Alves e a Ana Paula Silva, professora de Filosofia e autora do texto que “tomei emprestado” do Terrear, fica uma reflexão serena e necessária nestes tempos de elogio da medida, da comparação e da meritocracia mistificadora:
Sou professora, mas hoje escrevo como mãe. Uma mãe que tem uma filha, que desde ontem se encontra em “estado de choque”. Ser professora e mãe constitui um dos maiores desafios à gestão clarividente de uma pluralidade de estatutos. Não são incompatíveis mas são complicados de compaginar. Que o digam minhas filhas….. Em relação à sua vida escolar sou, “por defeito profissional”, sempre vigilante em relação à pontualidade, à assiduidade e sobretudo ao estudo. Não, de uma forma opressiva ou controladora, mas sempre tentando sensibiliza-las que nada se consegue sem trabalho e estudo.
Ontem a realidade dos factos, disse à minha filha mais nova que eu lhe menti.
Aluna com média de 17 valores, a Inês nos doze anos de escolaridade, nunca teve nenhuma dificuldade grave a qualquer disciplina, embora fosse fácil perceber as áreas disciplinares da sua preferência. Português e História são as suas disciplinas de eleição. Disciplinas a que sempre tirou notas acima da média. Desde sempre. No três anos do curso complementar, com professores diferentes, em ambas as disciplinas a sua média de aproveitamento foi 17.
Claro que, com mãe professora e professoras preocupadas, o fantasma dos exames nacionais, era recorrentemente invocado, para não descurar os estudos ou quando preparava um testes de avaliação. Mas sem fundamentalismos, afinal é uma aluna regular e responsável.
O último teste de português de preparação para exame (disciplina que elegeu como “chave de entrada “no ensino superior) realizado – aquele que foi feito no exame do ano anterior – tirou 19 valores e ganhou o elogio da professora que a conhece e sabe o que vale, através de um ano de relação pedagógica . E , apesar da ansiedade , ficou optimista.
Uma média de 17, numa escola pública considerada de referência, com professores muito experientes e competentes, a Inês deveria ir calma para os exames. Mas não foi. Minutos antes do teste de Português, vomitou. Aquando do de Historia tremia de frio, num dia quente. Resultado 1 : 9 valores em ambos. Resultado 2: Agora com média de 16, não pode entrar em nenhuma faculdade, pública ou privada (precisaria de 9,5 – mais méia décima portanto)
Porque sou professora do 12ºano, poderia traçar aqui considerações acerca da desadequação metodológica que , na minha opinião, subjaz à elaboração de alguns testes de exame, sobre a putativa concertação de critérios de avaliação que ,na maior parte dos casos não aconteceu , ou sobre outras reflexões que estes exames me sugerem ,mas vou abster-me dessas considerações.
Vou a penas deixar algumas questões ao Sr. Ministro de Educação a quem ainda ontem ouvi, presencialmente , louvar as potencialidades curativas dos exames nacionais que aparecem como a medida emblemática da sua “implosão” transformadora do Ministério da Educação:
• Doze anos de escolaridade de boa aprendizagem com provas dadas e comprovadas por dezenas de professores são insuficientes para saber se um aluno pode ou não seguir para o ensino superior ? Padecerão todos estes professores de miopia avaliativa?
• È mais fiável deixar essa decisão para a avaliação externa de alguém que classifica provas, sobretudo as que, pela natureza da disciplina são de um enorme grau de subjectividade, e cuja interpretação de critérios avaliativos (mesmo quando é feita) é (muito) contingente?
• Somos um país impede que um jovem com 18 ou mesmo 18,5 valores siga o seu sonho de ser médico , que lhe “atira à cara” que o seu esforço foi NADA, que lhe diz : não precisamos de ti mesmo quando mostraste que soubeste lutar por esse sonho. ( E depois oferece aos seus cidadãos os médicos que os seus países de origem não quiseram ou não souberam manter). Tive alunos que não entraram em medicina por centésimas!!! Não seria mais honesto dizer a estes jovens que estudar e trabalhar é muito pouco , pois os exames é que decidem se ele pode ser ou não aquilo que vai ser um estudante mediano de outro pais ( e sendo estrangeiro já é suficientemente bom para ser médico em Portugal, nem que os seus doentes não percebam nada do que diz ) ?
• Que tipo de País tem a coragem de dizer a um/a jovem que (mesmo com uma prestação infeliz em exame)tem uma média de aproveitamento de 16 valores que não pode seguir em frente? Como tem a coragem de lhe dizer que o seu estudo, trabalho e esforço foi um logro?
Em Rodapé: Ontem estive numa das extraordinárias iniciativas da Universidade Católica em prol do sucesso dos alunos, onde vi e ouvi centenas de professores testemunharem a sua dedicação, o seu trabalho e a sua preocupação pelo sucesso dos alunos. Senti que esse era o caminho.
O Sr. Ministro da Educação só chegou depois de tudo dito e no que disse depois , perdeu-se, sobretudo, em elogios sobre a importância extraordinária dos exames . E os professores bateram palmas. E eu pensei : Devo estar distraída (ou caduca). Então não se esteve horas a valorizar a diferença, a aprendizagem contínua , a avaliação consertada ? A demonstrar como o rigor nasce do trabalho que é posto à prova todos os dias da relação pedagógica? E não foram sentidas as nossas palmas? Agora vem o Sr. Ministro e diz-nos que não ; o rigor só tem um nome e chama-se exame nacional; e todos os professores batem palmas outra vez !!!! A classe mais qualificada deste país bate palmas a uma coisa e ao seu contrário? ?? !!!! E eu pensei: 30 anos de carreira não são suficientes para perceber esta simples equação (que o Sr. Ministro perceberá porque é de Matemática ) : Como coisas tão diferentes podem significar a mesma coisa ? Como uma coisa pontual, contingente , única e anónima pode significar o mesmo que anos de trabalho, de conhecimento, de proximidade? E Então pensei melhor: Vai mas é para casa e tenta explicar à tua filha que ter sonhos neste pais é um privilégio apenas para ministráveis.