A discussão em torno da Avaliação do Desempenho Docente continua a trilhar caminhos que dificilmente levarão a uma solução com utilidade e que satisfaçam os interesses das diferentes partes interessadas – governo, professores e seus sindicatos, alunos e famílias.
A questão central para desbloquear o impasse passa pela separação do que é a avaliação enquanto instrumento de melhoria das práticas lectivas, o que sempre foi defendido pela Fenprof como se constata pela leitura de mais um documento sobre os princípios a que deve obedecer a ADD, do que é a classificação de serviço que é um instrumento de gestão do pessoal e que pode ter reflexos na carreira. Se o primeiro instrumento tem que ser controlado internamente pelos professores no seio dos seus grupos disciplinares e em articulação com a formação contínua, o segundo tem que ser assumido pela hierarquia da escola e estar relacionado com as necessidades organizacionais.
Como defendi noutro post, esta clarificação sobre os objectivos de cada instrumento e sobre a natureza dos actores envolvidos em cada processo implica, necessariamente, a recuperação de um modelo de gestão das escolas em que os professores e os conselhos pedagógicos voltem a ter um papel de liderança nas decisões de política educativa.
A defesa que faço destas ideias suporta-se em algum trabalho de leitura e investigação que tenho feito sobre a matéria, de que o texto que se segue é apenas uma parte ínfima.
A avaliação do desempenho docente realizada em termos sistemáticos e individualizados apenas entrou na agenda educativa nas últimas décadas, na sequência do desenvolvimento da investigação sobre o ensino e a eficácia da escola e dos sistemas educativos.
Só na segunda metade do século XX se assistiu ao despertar das preocupações com a avaliação da qualidade dos sistemas educativos e com a eficácia da escola que, numa primeira fase, começou por se centrar nas questões da equidade e igualdade de oportunidades.
A partir dos anos 60 do século XX a economia passou a interessar-se pela investigação sobre a escola, os factores de produção em educação e as condições que influenciam a sua melhoria, devido ao facto de este ser um sector que utiliza recursos significativos, constituir um instrumento de política importante e colocar problemas de eficiência que derivam de uma inexistência de incentivos mercantis (Hanushek, 1979, pp.379-380). Alguma investigação tentou estabelecer as relações entre os custos de produção do bem educativo relativamente aos resultados escolares obtidos. Nos primeiros estudos sobre o tema as variáveis de input consideradas eram os rácios professor/aluno, salários dos professores e custos por aluno.
Nos Estados Unidos, um estudo liderado por James Coleman publicado em 1966 analisou dados referentes a 600.000 alunos e 60.000 professores em 4.000 escolas básicas e secundárias, tentando entender as relações entre as características das escolas e o resultado do desempenho dos diferentes grupos de alunos. Estudando a relação entre os inputs (recursos disponibilizados) e os outputs (desempenho escolar dos alunos) o relatório não se centrava na análise do percurso escolar de uma coorte de alunos mas nos resultados de uma população que, no período estudado, se encontrava em etapas diferentes de um mesmo percurso escolar. Sendo o primeiro grande estudo extensivo realizado sobre o assunto, a sua importância ficou a dever-se ao facto de associar a igualdade de oportunidades aos resultados dos alunos à saída da escola, afastando a ideia generalizada entre os decisores políticos de que a escola, por si só, conseguia superar as diferenças sociais entre os alunos (Lima, 2008, p.15).
No Stanford Center for Research and Development in Teaching foram conduzidos diversos programas de investigação e desenvolvimento, entre os quais The Environment for Teaching, que deu origem a um conjunto de estudos empíricos sobre os processos de avaliação educacional. Na sequência desses estudos, Gary Natriello e outros investigadores fizeram, em 1977, a revisão da literatura publicada entre 1965 e 1975 sobre avaliação das escolas, dos administradores escolares, dos professores e dos estudantes, tendo como foco de análise as teorias, as políticas e as práticas (Natriello & all, 1977, p.5).
Apenas na década de 80 do século XX dois conceitos relacionados com a reforma educativa ganharam peso: a profissionalidade docente e a reestruturação das escolas, começando a considerar-se que a qualidade do professorado se contava entre os factores de melhoria da escola. Até então não era importante avaliar os professores individualmente, pois os esforços de melhoria das escolas nas últimas décadas se centraram na melhoria do currículo, na mudança de determinados métodos de direcção escolar e no desenvolvimento de novos programas (Darling-Hammond, 1997, p.24).
Os trabalhos sobre a eficácia da escola deram origem à criação de diversos modelos conceptuais de análise, evidenciando o carácter multidisciplinar da investigação, pois as categorias dos modelos de análise se agrupam de acordo com origens na economia, psicologia instrucional e ciências da educação (Scheerens, 1977, p.270).
Ao longo da década de 90 desenvolveram-se vários modelos integrados e multi-nível, de análise da eficácia escolar, como os propostos por Creemers, Scheerens e Stringfield & Slavin. As suas principais características eram a existência de diversos níveis organizacionais, generalizando-se a ideia de que os níveis superiores facilitam a operação nos níveis inferiores (idem, p.285).
Para Klaus Issler é evidente que vários factores influenciam as aprendizagens dos estudantes e um desses factores é o trabalho do professor (Issler, 1983, p.339). Analisando o acto de ensinar, que num sentido restrito se traduz por explicar, motivar, questionar e testar (idem, p.338) Issler identificou onze factores essenciais para um ensino de excelência, que agrupou em cinco categorias: professor, estudante, objectivos do ensino, actividade de ensino e resultados do ensino.
Após a publicação em 1983 do relatório A Nation at Risk, nos EUA começou a verificar-se um movimento no sentido de desenvolver a qualidade do ensino. Na primeira fase, recuperando tentativas experimentadas nas décadas de 20 e de 50 do século XX, a tendência foi estabelecer testes de competências e premiar os melhores professores através do Merit Pay. No entanto, ao analisar a investigação produzida sobre este tema, Darling-Hammond constatou a inexistência de uma relação consistente entre os testes de competência e a performance na sala de aula (Darling-Hammond, 1983, p.66), questionando a utilidade de bónus remuneratórios associados ao mérito.
Os estudos realizados acabaram por demonstrar que as práticas de avaliação não conseguiam medir com rigor o desempenho de todos os professores e que para o conseguir fazer, de forma útil, justa e equitativa, seria necessário imenso tempo e recursos financeiros e humanos.
Uma concepção alternativa à solução do Merit Pay era o conceito do Master Teacher, considerado um professor líder a quem eram atribuídas funções de acompanhamento e aconselhamento dos colegas menos experientes ou relacionadas com a inovação curricular, passando por vezes a usufruir de incrementos salariais relacionados com essas funções (idem, p.68).
Na segunda metade da última década do século XX aumentou a tendência para considerar que a qualidade individual dos professores conta (Danielson, 2001, p.12), levando a generalidade dos educadores (professores, investigadores, decisores políticos) a considerar que a avaliação individual dos professores constitui um bom suporte para melhorar a qualidade do trabalho docente.
Nos últimos anos assiste-se a um desenvolvimento dos processos de avaliação de desempenho docente, embora de formas diferenciadas em função da experiência profissional e do tipo de relação laboral entre o professor e o sistema ou a escola. Em muitos estados dos EUA para os professores em início de carreira existe um ciclo de avaliações anuais e para os professores integrados na carreira com tenure[i] ou não existe uma avaliação formal, ou essa avaliação reporta a ciclos mais longos, até quatro anos. A avaliação da actividade lectiva fica a cargo dos professores, competindo aos administradores a avaliação de outras componentes do trabalho docente. Verifica-se também o recurso crescente ao portfólio enquanto instrumento de registo e reflexão crítica da actividade desenvolvida pelo professor durante o período em avaliação (idem, p.14).
Na Europa, durante as três últimas décadas assistiu-se a um movimento semelhante em que a responsabilização do trabalho docente oscilou entre uma dimensão individual e uma colectiva, acentuando-se a dimensão individual a partir de 2005 (Comissão Europeia, 2008).
Não existindo uma política europeia comum para a educação, os métodos e processo utilizados para avaliar os professores em cada país têm sido muito diversos. Existem casos em que simplemente não existe avaliação de desempenho, mas em muitos países mantém-se um processo de inspecção dos professores conduzida por inspectores especializados externos, noutros através de meios de auto-avaliação, complementados com a avaliação pela pessoa a quem reportam directamente (idem, pp 62-63).
[i] A obtenção do estatuto de professor com tenure está associada à demonstração de desempenhos profissionais relevantes e à experiência profissional, particularmente através de trabalho de investigação e inovação na área científica ou pedagógica. Este estatuto oferece alguns benefícios, nomeadamente maior segurança contratual e melhor nível remuneratório (Thornton, 2005).
Bibliografia:
Comissão Europeia (2008). Níveis de Autonomia e de Responsabilidades dos Professores na Europa. Obtido em 27 de Maio de 2010, de EURYDICE: http://www.eurydice.org
Danielson, C. (2001). New Trends in Teacher Evaluation. Educational Leadership, Fevereiro, pp. 12-15
Darling-Hammond, L. (1997). Evolución en la Evaluatión de Professores: Nuevos Papeles y Métodos. In J. Millman, & L. Darling-Hammond, Manual para la Evaluación del Professorado (pp. 23-45). Madrid: Editorial La Muralla
Darling-Hammond, L. (1983). Teaching Standards or Standardized Teaching? Educational Leadership, Outubro, pp. 66-69
Hanushek, E. (1979). Conceptual and Empirical Issues in the Estimation of Educational Production Functions. Journal of Human Resources June 1, 1979, pp. 351-388.
Issler, K. (1983). A Conception of Excellence in Teaching. Education, Vol. 103 Issue 4, , pp. 338-343
Lima, J. (2008). Em Busca da Boa Escola. V.N.Gaia: Funação Manuel Leão
Natriello, G., Noag, M., Deal, T., & Dornbusch, S. (1977). A Summary of Recent Literature on the Evaluation of Principals, Teachers and Students. Stanford: Stanford Center for Research and Development in Teaching
Scheerens, J. (1977). Conceptual Models and Theory-Embeded Principls on Effective Schooling. School Effectiveness and School Improvement, Vol 8, No. 3, pp. 269-310
Thornton, S. (2005). Implementing Flexible Tenure Clock Policies. New Directions for Higher Education, nº 130 , pp. 81-90