Patrícia e Rafael, a aluna que agrediu a professora de Francês na Escola Secundária Carolina Michaelis e o colega que filmou o incidente, foram transferidos de escola. Os alunos conheceram ontem a sanção, mas ainda não sabem qual é o estabelecimento de ensino que vão frequentar.
Aplicada que foi a sanção, a mais grave das que estão previstas no art. 27º da Lei 3/2008, todos quantos clamaram pela punição exemplar dos alunos envolvidos nos distúrbios na aula de Francês do liceu Carolina Michaelis podem agora dormir descansados.
Seguindo a lógica de raciocínio de todos os especialistas em disciplina, que se pronunciaram abundantemente sobre o caso, a partir desta punição exemplar mais nenhum aluno do 9º C (ou de qualquer outra turma daquele liceu) levará o telemóvel para as aulas. Se por acaso o levar, terá antes o cuidado de o desligar e guardar no bolso ou na mala. Também não voltará a haver casos de indisciplina grave e a nenhum aluno passará pela cabeça a remota ideia de “gozar as velhas”, que por acaso têm por missão dar-lhes aulas.
Na verdade, a partir da próxima segunda-feira dia 31 de Março deste ano da graça de 2008, todos os alunos do liceu Carolina Michaelis passarão a tratar todos os professores, auxiliares de acção educativa e demais adultos com todo o respeito e deferência que lhes é devido. Desse ponto de vista, tanto a DREN como o Conselho Executivo vão poder descansar com a certeza do dever cumprido.
Acontece que quem vive e trabalha nas escolas portuguesas, quem convive diariamente com as crianças e os jovens que hoje vão à escola, sabe que o único efeito que esta punição trará é o de que dificilmente voltaremos a ver cenas daquelas publicadas no YouTube. Não porque não voltarão a acontecer, eventualmente naquela mesma turma, quem sabe se com aquela mesma professora. O que irá acontecer é que os “cineastas amadores”, como o Rafael desta história, não voltarão a colocar as suas realizações cinematográficas na Internet e passarão a divulgá-las apenas ao número restrito e controlado dos “amigos” em quem possam confiar.
Porque devemos perceber que nada de realmente importante mudou com este castigo. O Conselho Executivo daquele liceu, responsável pela constituição daquela turma e pela distribuição do serviço docente que colocou aquela professora a lidar com aqueles adolescentes de trato difícil, vai continuar em funções. Não sei mesmo se não estará entre os elementos daquele Conselho Executivo o tal “líder forte” de que tanto fala o ME, e que o governo quer promover através do novo decreto da gestão escolar.
Assim teremos nos próximos anos a repetição de más decisões de gestão pedagógica, como a constituição de turmas-problema que serão atribuídas às pessoas que chegam à escola sem conhecerem o seu clima. Teremos os mesmos gestores daquele liceu mantendo uma aparência de normalidade disciplinar, agora reforçada com esta punição exemplar. Mesmo quando houver algumas queixas de alguns professores sobre o clima de indisciplina e violência. Teremos também os mesmos responsáveis na DREN, que desta vez actuaram com rapidez e firmeza, mas ainda há poucos meses atrás não tiveram a mesma visão dos problemas disciplinares que o liceu vivia. Teremos nos serviços centrais do ME e nas suas extensões regionais os mesmos responsáveis pela política de contenção de custos, a qual se traduz no fecho de estabelecimentos de ensino através de fusões ou encerramentos simples, mesmo quando no terreno os responsáveis por essas escolas argumentam com os inconvenientes que tais decisões acarretam.
Quando chegou ao governo, a ministra Maria de Lurdes Rodrigues sabia que muitos dos males de que padecem as escolas portuguesas se devem a problemas com a gestão pedagógica e com a gestão de recursos humanos. Sabia também que nas últimas décadas se foi consolidando um corpo de burocratas que se instalou nos serviços regionais do ministério e em muitos dos conselhos executivos das piores escolas do país. No entanto, em vez de criar condições para a remoção dessa gente dos cargos que ocupa, a ministra da Educação resolveu cooptá-los na tarefa de humilhar e domesticar os professores que asseguram as aulas com os alunos.
Começou com a medida, que poderia ter sido útil, de promover aulas de substituição. Já estavam previstas no anterior estatuto docente, apenas faltando a respectiva regulamentação. Deixando à incompetência dos gestores escolares que temos a tarefa de as implementar, MLR acabou por não criar nada de útil para os alunos e para as escolas, ao mesmo tempo que se vê agora obrigada a pagar milhares de horas extraordinárias por decisão dos tribunais.
Continuou depois com o concurso de titulares, em que apesar de a retórica ser a de promover os melhores professores ao topo da carreira profissional, o que fez foi garantir que os membros dos conselhos executivos (muitos não dão aulas há mais de vinte anos, tal como os sindicalistas que MLR abomina) pudessem garantir o seu “lugar ao sol”.
Vai terminar agora com o decreto que ficará conhecido como das “lideranças fortes”, em que os amigos do Conselho de Escolas negociaram as garantias de acesso directo aos cargos de direcção para os actuais membros dos Conselhos Executivos, desde que seja essa a sua vontade.
Entretanto, nas escolas, as Patrícias e os Rafaéis continuarão a cometer os seus desacatos perante professores que se sentirão cada vez mais abandonados pelos responsáveis de sempre. O que os alunos farão de diferente passará por uma gestão mais cuidadosa da divulgação dos disparates cometidos.
E os jornais, rádios e televisões poderão voltar às suas novelas e concursos, para descanso das boas almas.