Sérgio Sousa Pinto é apenas um exemplo do que me parece ser um conservadorismo reaccionário que está instalado na sociedade portuguesa e que emergiu pujante após os resultados eleitorais de dia 4 de Outubro, por estes terem aberto a possibilidade de se estabelecer um acordo político que permita a constituição de um governo apoiado por partidos de esquerda.
Sendo apenas um exemplo, é também um exemplo marcante por surgir como uma das principais bandeiras da coligação PàF e dos comentadores de direita, que vêem nele um instrumento importante na descredibilização de um eventual futuro governo de esquerda.
É também um exemplo ilustrativo, na medida em que a argumentação que utiliza revela o conservadorismo de quem continua a ler o mundo de hoje à luz de uma historiografia truncada e tributária da percepção que os vencedores de Novembro de 1975 quiseram dar dos acontecimentos da revolução portuguesa.
Vejamos, então, alguns dos argumentos usados nesse discurso conservador e reaccionário, tentando dar-lhe uma outra perspectiva:
- “o Partido Comunista Português combateu o PS, sem desfalecimento, de 1974 até à semana passada”;
- O combate entre o PS e o PCP começou com os contactos entre dirigentes do PS e o embaixador americano em Lisboa, Frank Carlucci, com o beneplácito e apoio do SPD alemão. Nesse combate o PS não hesitou em “ignorar” os desmandos da reacção que, com o apoio do fascismo franquista e o beneplácito da hierarquia da igreja, promoveu o assalto às sedes do PCP e do MDP/CDE, tendo levado no caminho até algumas sedes do PS no Norte do país.
- “Censurou e derrubou governos socialistas e não votou a favor de um único orçamento apresentado pelo PS, em quatro décadas”;
- O PCP censurou e ajudou a derrubar governos que apresentaram e puseram em prática as políticas que têm permitido à direita e ao capital financeiro recuperar os privilégios e posições que detinham em 24 de Abril de 1974. Entre o que de mais emblemático foi feito pelo PS, nessa área, conta-se a abertura da banca aos privados e a promoção do regresso dos banqueiros a Portugal. A experiência de Ricardo Salgado no BES e de Jardim Gonçalves no BCP, entre outros, mostra bem como a entrega deste importante sector da economia nacional aos privados, e em especial aos grandes grupos económicos, acaba por trazer custos e sacrifícios enormes ao povo português e aos trabalhadores que, com os seus impostos, ajudaram a enriquecer essas famílias.
- “durante os 4 anos de governo Passos-Portas, a oposição do PCP na AR foi pouco mais que gemente”;
- A injustiça de tal afirmação apenas se compreende à luz de uma cegueira sectária, ditada pelo desnorte de quem resolveu fazer do combate ao PCP o seu destino. Basta ver as actas da AR e ler nelas as intervenções, interpelações e debates entre os deputados do PCP e o governo ou as bancadas do PSD e do CDS, que o suportavam. E, se ainda assim pudessem subsistir dúvidas, pode consultar-se a quantidade de iniciativas de legislação apresentada pelo PCP, no sentido de contrariar as medidas austeritárias do governo, tendo atenção à forma como o PS votou cada uma delas. Também será elucidativo verificar a quantidade de abstenções violentas do PS (e até votos favoráveis) em relação a muitas das medidas do governo que agravaram a vida dos trabalhadores e que, naturalmente, mereceram o voto contra do PCP.
- “a chama do sectarismo comunista, uma espécie de tocha olímpica, subitamente apagou-se! Porquê? Porque saiu das eleições uma ameaça que punha em causa a aconchegada inutilidade do PCP: o Bloco ultrapassou-o em votos e mandatos.”
- Este tipo de análise política é típico de quem se formou numa jota qualquer e apenas concebe a política à luz de uma contabilidade de merceeiro. O que este conservadorismo reaccionário não é capaz de perceber é que a democracia não é uma corrida de atletismo e o resultado das eleições não é a mesma coisa que a tabela classificativa de um campeonato de futebol. Ao longo da campanha, tal como sempre tem afirmado em todas as campanhas eleitorais, o PCP afirmou que os portugueses iriam escolher 230 deputados. E que seria a composição final da AR, com a força relativa de cada grupo parlamentar e dos compromissos que os deputados eleitos tivessem assumido, que iria definir os entendimentos imprescindíveis à formação e apoio a um governo. Os resultados verificados confirmaram a justeza dessa afirmação do PCP, e é da leitura dos resultados que se pode concluir existirem condições para impedir que a direita continue a executar o seu programa de empobrecimento do país. Mais, o que os resultados permitem concluir é que a direita só poderá continuar esse trabalho destrutivo se o PS lhe der a mão e abandonar definitivamente a sua imagem de esquerda.
- “Porque o que o PCP e o BE querem é um governo fraco do PS para derrubarem quando for oportuno. Só falta saber quando: Quando o Bloco descer e o PCP subir? Quando o Bloco subir e superar o PS nas sondagens? Não sei.”
- Mais uma vez a contabilidade de merceeiro sobrepõe-se à análise política. De facto, se for possível obter um compromisso que revalorize salários e pensões, que satisfaça a necessidade de mais justiça social, que defenda o emprego e combata a precariedade, que preserve e melhore os serviços públicos, a escola pública, o serviço nacional de saúde e a segurança social, que combata a venda do património português ao capital transnacional, não existe nenhum motivo para que o PCP não apoie tal governo até ao fim da legislatura. Pelo contrário, é do interesse do PCP que um governo assim chegue ao termo do seu mandato, pois isso será a prova de que os compromissos assumidos com o eleitorado são respeitados.
Outros sérgiossousapintos andam pela comunicação social e pelas redes sociais, numa campanha suja de difamação e juízos de intenção em relação às posições que o PCP vem assumindo, desde que se conhecem os resultados eleitorais. Mas convém ler-se o que foi dito durante a campanha para constatar que o que se pretende hoje é o que sempre se pediu ao PS: que se assuma como um partido de esquerda, que assuma uma atitude em defesa do trabalho limitando os desmandos do capital e que honre o nome que ainda ostenta: Partido Socialista.