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Vai hilariante a discussão sobre a diferença entre o salário de um servidor público e o salário de um servidor de patrão privado.
Meter a mão no bolso do primeiro, através do confisco de 15% do seu salário anual é, do ponto de vista orçamental, cortar na despesa; Confiscar mais uma percentagem do salário do segundo, através da aplicação de uma taxa (sobre, ou não) é, do ponto de vista orçamental, aumentar a receita.
O assalariado do setor público é alguém que vende a força do seu trabalho e/ou o seu conhecimento a uma entidade pública, que existe para prestar um serviço à comunidade; o assalariado do setor privado é alguém que vende a força do seu trabalho e/ou o seu conhecimento a uma entidade privada, que existe para gerar lucro e proporcionar rendimento(s) ao patrão e/ou acionistas.
Ambos vivem do valor do seu trabalho, mas para o orçamento, para os “expertos” em economia, para os comentadores e jornalistas alinhados com o pensamento hegemónico, o salário dos primeiros é despesa e o dos segundos é receita. Embora quando colocamos os óculos dos patrões privados nos pareça que devia considerar-se o contrário.
Toda esta discussão assumiu agora proporções mais dilatadas porque o TC não percebeu a diferença entre “salário despesa” e “salário receita”, declarando que o governo só pode confiscar salários se for a todos, sendo inconstitucional arrecadar os “salários despesa”, sem arrecadar também os “salários receita”.
No meio desta trapalhada, que só não considero mais hilariante porque a perda de 14% do meu rendimento anual é demasiado trágica, não vejo ninguém disposto a esclarecer o governo, a “oposição responsável” que se costuma abster violentamente, os “expertos” em economia, os comentadores e jornalistas alinhados com o pensamento hegemónico, que além dos “salários despesa” existem muitas outras rubricas do OE na coluna das despesas:
- as rendas excessivas, nas PPP’s, identificadas pelo Tribunal de Contas e pela troika estrangeira;
- o serviço da dívida que é suportada pelo estado e que foi contraída para engrossar os lucros dos grupos financeiros e da distribuição, em que se acumulam as fortunas das famílias tradicionais que exploram o país desde os tempos da monarquia;
- os ajustes diretos de consultoria, com que escritórios de profissionais liberais compõem as suas rendas, alegadamente para prestar serviços que muitos profissionais qualificados, existentes na função pública, poderiam prestar sem acréscimo do respetivo “salário despesa”.
Estes são apenas alguns pequenos exemplos de como é possível (e desejável) cortar na despesa do estado, tornando o orçamento mais equilibrado, sem com isso roubar os funcionários públicos ou taxar mais os trabalhadores de qualquer um dos setores. Assim haja vontade política que, no entanto, tem que se induzida pela pressão da população. É por isso que mais do que nunca, o que é preciso é avisar a malta.
Mas uma vez afirmo: não deixemos de colocar a hipótese do governo simplesmente anular a existência do 13.º e 14.º mês, ainda que temporariamente, de modo a que ele fique na bolsa dos patrões (do Estado-patrão, no caso dos funcionários publicos). É que, segundo a troika estrangeira, a redução da despesa do Estado até se tem portado bem. A economia é que se tem portado mal. Em vez de baixar a TSU, cortam-se os subsídios.