A discussão em torno da eficácia da escola pública é um tema que é trazido recorrentemente para a agenda mediática pela direita, que olha para o mercado educativo com apetite guloso, e por uns quantos idiotas úteis que se julgam melhores professores e, no seu individualismo exacerbado, sonham com “prémios de mérito e produção”, a que teriam direito num sistema educativo concorrencial.
Para estes compagnons de route do neoliberalismo selvagem a ideia de coesão social, que é uma ideia fundacional da escola pública, democrática e para todos, é um conceito descartável e que deve ser substituído por conceitos como empregabilidade, concorrência, individualismo e mercado.
Nesse afã liberal-privatizador a imaginação não tem limites, sendo sempre possível encontrar algumas formulações que escondam os intuitos de destruição da escola pública, sob o pretexto da defesa dos mais pobres e necessitados. Exemplos não faltam, nem etiquetas como: vouchers, free-schools, charter-schools, academias, magnet-schools e tantas outras.
Sendo certo que o conceito de coesão social é de definição difícil, ele é no entanto usado com frequência quando se abordam as questões da defesa nacional e do acordo geral sobre o sistema político e a forma de governo. Nesse sentido a coesão social está umbilicalmente ligada à acção colectiva e constitui o garante do convívio harmonioso entre os membros da sociedade.
A escola pública constitui o instrumento utilizado pelo sistema educativo para promover a capacidade de acção colectiva, ou, no mínimo, não pôr em causa a coesão social, consignando a existência de uma liderança forte e regras claras para a participação no grupo social, ou seja, definindo as balizas da cidadania.
Num trabalho realizado para a Unesco, em 2002, Belfield e Levin identificam duas formas de um sistema educativo gerar bens sociais:
Há duas formas através das quais um sistema educativo pode gerar bens sociais. Uma delas é pela própria concepção do sistema de ensino: os bens sociais são criados quando se toma acção colectiva, isto é, quando todos os alunos têm direito ao mesmo tipo de educação. É esta a ideia inerente à “escola unificada”: os bens sociais são criados através das actividades comunitárias. É óbvio que a privatização iria subverter esta “escolarização unificada” – se as famílias podem pôr de parte a escola pública ou puderem pagar mais pela educação dos filhos, já não farão parte desta actividade comunitária. Se as famílias mais ricas puderem adquirir educação elitista e exclusiva para os seus filhos, a coesão social pode ser prejudicada, tal como quando os alunos recebem uma educação oposta aos objectivos globais da sociedade. (Não são apenas os pais que podem gerar exclusividade social, as escolas privadas podem impor restrições nas matrículas para excluir “alunos indesejáveis”.) Este é um argumento comum contra a privatização e deve ser levado a sério.
Um segundo meio de produzir bem social é através do que os alunos aprendem na escola. O ensino das competências sociais e da importância das virtudes cívicas pode ser uma forma eficaz de aumentar a coesão social. Algumas escolas podem incluir disciplinas de formação cívica, introdução à política ou educação moral e religiosa no seu currículo, enquanto outras podem incentivar acções de solidariedade por parte dos alunos, ou abordar temáticas ambientais. A questão é se as escolas privadas podem ensinar mais destas competências (ou fazê-lo de forma mais eficiente) que as escolas públicas e se as famílias iriam (num contexto de ensino privado) exigir mais deste tipo de educação.
Belfield, C. e Levin, H. (2002), Education Privatization: Causes, Consequences and Planning Implications, Unesco, Paris
Parece claro que as tentativas de destruição da escola pública, perpetradas pelos ideólogos do neoliberalismo, põem em causa a coesão social e a possibilidade de estabelecer uma acção colectiva que envolva toda a população, reconhecendo-lhe direitos de cidadania. O que a prazo pode gerar convulsões que em nada beneficiarão a sociedade e afectará ainda mais as possibilidades de desenvolvimento do país.