Desde que, no dia 12 deste mês, o ministro entregou aos sindicatos o simplex 3.0 todos percebemos que a coisa era um trabalho mal amanhado e feito em cima do joelho, ao contrário do que as declarações pomposas e a verborreia auto-complacente do ministro vinham insinuando.
A coisa é tão desgraçadamente fraquinha que até o clube dos amigos de Crato passou a criticar a proposta, mesmo que o tenha feito através da habitual chicana anti-sindicatos em que se especializou. Apenas o indefectível Ramiro se mantém, firme e hirto, na defesa do forte que ajudou a construir, pelo menos a acreditar na sua palavra.
Claro que para uns e outros a culpa de o modelo apresentado não ser o ideal é dos sindicatos, ou porque querem instaurar o caos e tirar o país do euro, ou porque não defendem os professores e vivem a balões de coreografia.
O que estes amigos dos professores e defensores da escola pública não dizem, mas o documento entregue ontem pela Fenprof no ministério demonstra claramente, é que o modelito, ou simplex 3.0 como gosto de lhe chamar, revela a profunda ignorância do ministro sobre o subsistema do ensino básico e secundário, a carreira dos professores e o funcionamento das escolas.
Ignorância que por si só não seria grave, não fosse o auto-convencimento do ministro sobre a sua superioridade intelectual na resolução de todos os problemas da educação, largamente difundida e acarinhada na comunicação social ao longo dos meses em que foi preparando a sua chegada ao cargo, como foram as sucessivas declarações no plano, que de tão inclinado, caiu da grelha de programação com a queda do anterior governo.
Mas, para que não fiquem dúvidas aos leitores, vejamos em que é que as dúvidas que a Fenprof (e os professores que querem uma avaliação séria, justa e que tenha consequências para a melhoria do ensino público) quer ver esclarecidas demonstram a ignorância do ministro sobre o funcionamento e organização do trabalho na escola pública:
- Quando o ministro propõe a isenção de avaliação para os professores do 8º e 9º escalão saberá que há directores, adjuntos e assessores que estão nesses escalões? Se sabe, pretende isentá-los da avaliação pelo Siadap a que o anterior modelo os sujeitava, ou não? Se não os isenta do Siadap, como pode propor a sua isenção de avaliação, por pertenceram ao 8º ou 9º escalão?
- Saberá o ministro que os professores do 8º e 9º escalão têm condições para desejar, e esperar, uma futura progressão na carreira? Se sabe e se sabe que é condição básica para a progressão ser-se avaliado, como é que propõe isentar estes professores de avaliação? Conhece o ECD, ou pretende alterá-lo e propor que a carreira termine para uns no 8º escalão e para outros no 9º escalão?
- Saberá o ministro que os professores não mudam todos de escalão num ano pré-determinado? Se sabe, terá percebido que isso implica que todos os anos haverá professores no último ano do respectivo ciclo avaliativo, o que significa que todos os anos haverá quotas para atribuir às menções mais elevadas, agravando as injustiças em cada escola uma vez que num ano com muitos a terminar o ciclo avaliativo um 9.5 pode não chegar para o excelente e no ano seguinte um 9.2 pode chegar por não haver mais ninguém acima do 9?
- Saberá o ministro que o director é, por inerência de funções, o presidente do conselho pedagógico? E que por isso irá presidir à secção de avaliação do conselho pedagógico, órgão exclusivamente constituído por pessoas da sua confiança e por si nomeadas? Se sabe, como é que propõe que seja o director a apreciar e decidir das reclamações que venham a ser feitas relativamente às decisões de um órgão por si presidido? Saberá o ministro que está a colocar nas mãos do recorrido a decisão sobre o destino a dar aos eventuais recursos?
- Sabe o ministro que os professores têm um horário que é composto de duas partes, uma lectiva e outra não lectiva? E sabe que tanto uma como a outra têm durações determinadas legalmente? Se sabe, como pretende compensar os avaliadores externos pelo tempo das deslocações entre a sua escola e as escolas dos avaliados? Ou será que o ministro não sabe que essas escolas têm que pertencer a outros agrupamentos, s0b pena de não se cumprir o desígnio de os avaliadores serem “externos”, porque pertencerão ao mesmo departamento do avaliado?
- Quando propõe como uma das formas de desempate na atribuição de menções mais elevadas o tempo de serviço na carreira, sabe o ministro que esse é um conceito ambíguo porque os professores não entraram todos na carreira com o mesmo tempo de serviço lectivo prestado? Saberá o ministro que há professores que “entraram na carreira” com um ou dois anos de serviço e outros entraram ao fim de dez, onze e mais anos de serviço? Saberá que ainda há muitos que não “entraram na carreira” apesar de terem mais de uma década de serviço lectivo prestado, sem interrupções?
Estes são apenas alguns exemplos da ignorância do ministro sobre o universo em que vivem e trabalham os professores do ensino básico e secundário, nas escolas públicas. Como disse lá atrás, por si só isso não seria grave, porque para ser ministro não é obrigatório ser-se um perito na área. Mas é preciso ter-se a humildade de querer aprender com quem conhece as matérias e não anunciar antes que se tem todas as soluções na manga do casaco.
O ministro achava que entrava no ministério, implodia a coisa, mandava fazer exames a todas as disciplinas, decretava a autoridade dos professores, avaliava-os através dos resultados dos tais exames e dentro de meia dúzia de anos íamos começar a produzir einstseins e billgates como quem produz pêra rocha ou maçã golden – bastava “abanar a árvore”.
A realidade se encarregará de lhe explicar que o mundo e o quotidiano são outra coisa… como já deve ter começado a perceber porque, apesar de tudo, parece ser uma pessoa inteligente.