Sabendo-se que esta simplificação não passa de mais um remendo numa coisa que nasceu torta, a possibilidade de um acordo depende de uma de duas posições: ou o modelo apresentado é profundamente alterado e o ministério aceita introduzir um largo conjunto de alterações, ou o(s) sindicato(s) que se disponibilizar(em) a assinar renega(m) os princípios por que se bateu(ram) durante mais de três anos, em unidade na plataforma sindical e com o apoio da esmagadora maioria dos professores nas escolas.
Sendo certo que um processo negocial não é um jogo de soma nula, não se pode também esperar a capitulação total do governo. Trata-se de encontrar um ponto de encontro em que seja possível obter ganhos com significado para os professores, sem que isso signifique perdas incomportáveis para o ministério.
Ora também sabemos que os professores, como todos os outros funcionários, entram no processo negocial já com uma perda enorme e provavelmente nunca recuperável no futuro – o congelamento das progressões e dos salários, pelo menos até 2014. Este é um facto que tem que ser considerado, desde logo, como um activo no deve-e-haver do governo. Uma vez que a ADD surge com uma ligação umbilical às progressões na carreira, torna-se imprescindível encontrar um mecanismo que reponha a injustiça de se ser avaliado sem que isso se traduza em possibilidade de progredir, mesmo que diferindo no tempo essa possibilidade.
Para lá deste ponto, em que a vantagem está declaradamente do lado do governo, existem outros dois pontos que são críticos para a possibilidade de se obter um acordo aceitável para os professores – acabar com as quotas para as menções mais elevadas e dar o direito aos professores de escolherem os seus coordenadores de departamento e o seu conselho pedagógico.
Sobre a utilidade das quotas, e a injustiça que introduzem no processo, já se escreveram rios de tinta ao longo dos últimos anos. A comparação com as outras carreiras da função pública não colhe pelo facto de a carreira docente ser uma carreira especial, cuja especificidade é publicamente reconhecida, sendo desejável para todos, e uma mais valia para a sociedade, que os professores possam ter desempenhos excelentes, para que possam promover mais e melhores aprendizagens dos seus alunos. Determinar se têm ou não esses desempenhos pode ser o objectivo da ADD, mas não o de um critério administrativo como as quotas, que sendo cego não consegue medir a qualidade do trabalho docente.
Quanto à devolução da democracia, através da reintrodução de um processo electivo na escolha das lideranças intermédias da escola, é até penoso ter que fazer a sua apologia. Num tempo em que a intervenção de todos os actores é valorizada; num tempo em que a legitimidade e a autoridade das lideranças depende cada vez mais do reconhecimento por parte dos liderados; num tempo em que se reclama para a sociedade e para os pais a liberdade de escolha, manter a imposição da vontade de um director na escolha daqueles sobre quem vai recair a coordenação do trabalho quotidiano, e a responsabilidade da respectiva avaliação, é não só um disparate enorme, como revela uma desconfiança e um desejo persecutório e de controlo absurdo sobre um grupo profissional altamente qualificado.
As reuniões de hoje e amanhã servirão, mais do que para a apresentação de contra-propostas dos sindicatos, para que sejam esclarecidas as inúmeras dúvidas que o documento apresentado suscita. Assim sendo, creio que os representantes dos professores que irão ao ministério estarão sobretudo interessados em ouvir o que o ministro e os seus secretários têm para dizer.
De qualquer forma convém que todos eles reafirmem i) a indisponibilidade para aceitar as quotas para as menções mais elevadas, que nunca foram aceites apesar da desinformação levada a cabo por uns quantos spin-doctors com acesso aos media; ii) a exigência de alteração do processo de escolha dos coordenadores de departamento e do conselho pedagógico, regressando à eleição entre pares; iii) a necessidade de encontrar uma forma de recuperar o tempo congelado para a contabilização do período de permanência em cada escalão.
A questão da isenção da avaliação necessita de ser também clarificada, sendo aceitável alguma diferenciação nos mecanismos de avaliação de acordo com os escalões da carreira, desde que essa avaliação incida sobre conteúdos funcionais da carreira e não sobre funções administrativas ligadas aos desempenho de cargos na hierarquia organizacional.