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No título deste post utilizo o termo facilitismo com a intenção de demonstrar que ele pode ser mais facilmente associado à solução mágica dos exames do que ao princípio republicano da escola para todos.
O termo facilitismo remete-nos para o acto de facilitar algo que por natureza é difícil e custoso, exigindo normalmente grande esforço para ser realizado.
No discurso “crático”, que se caracteriza por um forte apelo ao populismo e à demagogia, os exames surgem como uma espécie de garantia de que o ensino é rigoroso e o trabalho de aprendizagem que os alunos têm que fazer é exigente pois, caso contrário, os resultados serão negativos, os alunos chumbarão e os professores poderão ser responsabilizados pelo insucesso.
Este é um discurso populista e demagógico porque, ao fazer apelo ao senso comum e ao modelo em que se formaram e reproduziram as elites que hoje governam, opinam e ensinam, surge como música harmoniosa aos ouvidos do mainstream.
Este discurso surge normalmente associado a uma comparação distorcida entre realidades completamente opostas, como são as que enformam a ideia de uma escola destinada a seleccionar e garantir a reprodução das classes sociais dominantes, por oposição a um modelo de escola em que todas as crianças, jovens e adultos não escolarizados têm acesso ao conhecimento e à diversidade cultural.
Esperar que a escola torne iguais as condições de sucesso entre alunos provenientes de classes sociais diferentes, sem tornar iguais, ou pelo menos semelhantes, os direitos de acesso aos bens essenciais – alimentação, saúde, rendimento disponível, segurança social, etc. – é mais do que uma utopia, uma enorme barbaridade e mistificação da realidade.
Esperar que os exames sejam o instrumento dessa transformação social é uma aldrabice que se destina a justificar a perpetuação da função selectiva da escola, a menos que esse instrumento só se aplique depois de garantidas as condições de igualdade que não existem.
Chegados aqui podemos afirmar que o conceito de escola pública para todos é algo de muito exigente, não tanto para os professores que nela trabalham ou para os alunos que nela aprendem. Uma escola para todos é altamente exigente para a sociedade como um todo, em particular para os decisores políticos e para quem tem a incumbência de coordenar as políticas educativas.
A exigência e o rigor de que falo, fazendo um apelo a toda a sociedade, só podem obter resposta com um esforço colectivo para proporcionar a todos os cidadãos a satisfação das suas necessidades básicas, para que passe a haver disponibilidade para uma focagem nas necessidades de um grau superior (Maslow).
O recurso aos exames, sem que o caminho anterior esteja percorrido, é tudo menos justo e equitativo. Pior do que isso, pode ser extremamente prejudicial para a sociedade ao permitir que crianças e jovens sejam excluídos apenas porque os handicaps sociais de que são portadores os impedem de obter o mesmo sucesso escolar.
Não se pode esperar que um aluno filho de desempregados, sem acesso a bens culturais, sem acesso a um computador e à Internet sem ser na escola e em condições precárias, obtenha os mesmos resultados em exames do que o filho de pais da classe média/média alta, bem nutrido, com acesso a cuidados de saúde privada, Internet, 200 canais por cabo, férias no estrangeiro, visitas a museus, teatro e cinema e uma estante repleta de livros com clássicos portugueses e estrangeiros.
Recorrer aos exames para exigir trabalho, sem antes cuidar dessas desigualdades, isso sim é facilitismo porque facilita a tarefa dos governantes que têm a obrigação de olhar as políticas públicas de uma forma integrada e não exclusivamente sectorial.
Facilitismo é não cuidar da justiça social e da equidade. Facilitismo é recorrer a uma retórica populista e demagógica, em vez de meter mãos à obra e corrigir as desigualdades sociais que aprofundam a divisão entre os muito ricos e os que quase nada têm.
Quem tem medo dos exames? Os exames são apenas um instrumento para a aferição de conhecimentos. São um instrumento de avaliação, talvez o mais objectivo, dentro de toda a subjectividade que qualquer instrumento de avaliação encerra.
O que o FJSantos salienta é que os resultados dos exames reflectem, em grande parte, as desigualdades sociais. Dizendo doutra forma, cruamente, os ricos e abastados terão maior probabilidade de obter melhores resultados do que os pobres. Concordo, mas nem sempre é assim. Na nossa sociedade não faltam exemplos de filhos de gente pobre, de famílias rurais, que num contexto mais adverso, de ditadura, ainda assim conseguiram superar as barreiras que lhes foram colocando e foram bem sucedidos na vida, pois desempenharam ou desempenham um papel de relevo.
Julgo que hoje, só não estuda, quem não quer, face aos meios existentes disponíveis. As bibliotecas municipais e as escolares, por exemplo, que felizmente ainda não foram privatizadas, disponibilizam os livros que faltam nas estantes das casas dos pobres. E no entanto, muitas bibliotecas estão quase vazias, ou com alguns jovens que se debruçam sobre os computadores, onde se entretêm jogando, com as costas viradas para os livros.
Será sempre uma luta desigual, essa, entre ricos e pobres. Os pobres terão de esforçar-se muito mais do que os ricos, se os quiserem igualar ou superar. Para eles nada se conseguirá sem trabalho, trabalho redobrado. Num país onde falta o civismo, é preciso mudar mentalidades e isso demora.
Julgo que um dos principais problemas reside no facto da nossa cultura (ou da cultura da maior parte dos portugueses) não favorecer a valorização do saber (científico, artístico e desportivo, etc.), ao contrário da cultura dos antigos países do Leste Europeu: observamos com frequência os jovens, filhos de imigrantes do Leste Europeu (não abastados, a maior parte deles), progredirem nos estudos mais facilmente do que os portugueses, inclusive, no estudo da língua portuguesa.
As causas do insucesso dos mais pobres face aos mais ricos, não se prenderão mais com a questão cultural, do que, com as desigualdades sociais?
Enfim, julgo que os resultados dos exames podem realmente reflectir as desigualdades sociais, que no nosso país são enormes, mas não se cingem a isso. A existência de desigualdades sociais não vale, a meu ver, como argumento para a não aplicação de exames.