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Não deixa de ser curioso pensar que entre Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato, havendo aparentemente um mundo de diferenças, existem também enormes semelhanças.

Desde logo no acolhimento público, após ser conhecida a respectiva nomeação.

Dir-me-ão que quando chegou ao governo MLR não era conhecida do grande público da mesma forma que o é NC. Responderei que isso não passa de um detalhe, porque a verdade é que, para quem não tenha curta memória, MLR foi incensada pela inteligentsia nacional ao longo dos dois primeiros anos de mandato. A forma como enfrentou a contestação sindical, e como atropelou a lei para impor serviços mínimos aos exames, foi apoiada de forma esmagadora pela sociedade portuguesa , pelos media e também por muitos milhares de professores que deixaram a FENPROF quase a falar sozinha. A forma como o então secretário-geral da federação, Paulo Sucena, foi trucidado em directo na televisão, num debate com a ministra, ainda hoje me envergonha enquanto professor. O trabalho que foi necessário fazer, para recuperar a confiança dos professores nos seus sindicatos é directamente proporcional ao ódio com que tantos criticam hoje Mário Nogueira.

Mas não é só na admiração acrítica, e fundamentada em impressões, como  a nomeação de ambos foi recebida por quase toda a gente, professores incluídos, que as semelhanças entre MLR e NC são notórias. Também nos objectivos concretos e imediatos para a governação existem mais semelhanças que diferenças.

MLR chegou ao governo num contexto de necessidade absoluta de contenção do orçamento (vidé programa do XVII governo constitucional, p.31): «o processo orçamental tendo em vista o controlo efectivo da despesa corrente, bem como a melhoria da sua qualidade numa perspectiva plurianual, por via de um programa plurianual de redução da despesa corrente que assentará na modernização e racionalização da administração pública como garante da sustentabilidade da consolidação orçamental». Como sabemos, a sua opção de fundo nesta matéria foi preparar um ECD cujo objectivo era impedir as progressões salariais dos professores.

Do mesmo modo NC chega ao governo numa altura em que é preciso cortar uns milhões ao orçamento para a educação. Como as carreiras estão congeladas ad eternum, restará ao novo ministro reduzir efectivos e baixar os salários aos que permanecerem. Como, enquanto a constituição não mudar, a regressão salarial é legalmente impossível (e dizem-nos que o PPC não cometerá as ilegalidades do seu antecessor) restará o mecanismo de correr  com os mais velhos para ficar com os mais novos e baratos. Nada que não tenha sido o trabalho realizado por MLR.

Mas há ainda, pelo menos, mais uma semelhança marcante entre os dois – o tamanho do ego e a certeza com que afirmam o seu diagnóstico sobre a educação e a terapêutica a aplicar. Se no caso de MLR o mau da fita era um tipo imaginado de professor – displicente, inculto e impreparado para a nobre missão de educar os alunos – restando por isso eliminá-lo, no caso de NC este mau da fita é um tipo imaginado de eduquês, consubstanciado num funcionário público que congemina ideias insanas causadoras de angústias aos professores e às escolas, que assim são impedidas de cumprir a nobre missão de instruir os alunos, pelo que é de todo urgente eliminá-lo.

A arrogância e as certezas de MLR foram o motor de uma união improvável e claramente exagerada, que colocou na rua dezenas de milhar de professores. Curiosamente a arrogância e as certezas de NC são, desde já, o motor de uma clarificação essencial dos campos em matéria de escola pública. É que muitos dos que desceram a Avenida da Liberdade marcharam em nome de uma escola pública que, sendo eventualmente republicana e até laica, não era a escola pública democrática e para todos que muitos outros defendem.

É essa a linha de separação das águas entre aqueles que hoje criticam NC, não necessitando mais do que ler o que ele tem escrito sobre educação para saber o que pensa e tentará por em prática, e os que o aplaudem em nome de dois conceitos insuficientemente clarificados no seu discurso: exigência e autoridade.