Fui um dos 9000 professores que ontem esteve no Campo Pequeno.
Se é verdade que a dimensão da “emoção” vivida neste enorme plenário não é comparável à “emoção” de dezenas de milhar de marchantes pela Avenida abaixo, também não é legítimo escamotear a diferença qualitativa existente entre manifestações abrangentes, em torno de um objectivo catártico anti-o-que-nos-desagrada-e-irrita, e um plenário que unifica com um objectivo concreto de construção de um projecto-alternativo-ao-programa-de-políticas-públicas-que-destroem-a-escola-pública.
Bem sei que agrada a muita gente fazer comparações entre “os 100.000 de Março”, ou os “120.000 de Novembro”, e os 9.000 de ontem. É uma leitura legítima, assente numa grelha de análise que tem um suporte ideológico e uma agenda tão legítima como a leitura que eu faço desde há três anos: a oposição unifica enquanto a proposição divide, porque obriga a clarificar os projectos individuais (ou colectivos) e assim determina a separação das águas.
No contexto político actual, em que paira sobre todos os portugueses (professores incluídos) a quase certeza de uma mudança de ciclo político, só por estultícia se poderia supor que o plenário da plataforma sindical de professores (agora sem os sindicatos do PSD e da “esquerda do PS”) pudesse atingir números semelhantes aos das manifestações de 2008.
É que para os professores que ontem estiveram presentes no Campo Pequeno existe um caminho que não se compadece com ambiguidades. Os 9.000 (ou 8.000, se isso for relevante para quem tem relações preferenciais com o jornalismo mainstream) não se revêm certamente em slogans como os de uma certa campanha de há dois anos «Vota à direita ou vota à esquerda, mas não votes no PS», porque sabem que o adversário não se esgota em Sócrates, mas sim nas políticas neoliberais de desqualificação da escola pública, com vista à privatização do ensino.
Quem ontem esteve no Campo Pequeno não está disposto a trocar Sócrates por Passos Coelho, com ou sem Paulo Portas como bónus. Os 9.000 que estiveram no Campo Pequeno estiveram ali porque sabem que só com uma luta persistente, esclarecida, determinada, sem comodismos e ambiguidades é possível defender uma Escola Pública de qualidade para todos os portugueses. E por isso se manifestaram:
- Contra todas as medidas do governo que, sem olhar a consequências, têm por objectivo a eliminação de postos de trabalho nas escolas, delas relevando as regras sobre a organização do próximo ano lectivo, o agravamento dos horários de trabalho dos docentes com a eliminação das horas para trabalho individual, os mega-agrupamentos, os encerramentos de escolas por critérios administrativos e, ainda, a ameaça do ME de manter as alterações curriculares no ensino básico que, oportunamente, a Assembleia da República revogou;
- Contra o roubo nos salários, o agravamento da instabilidade decorrente da anunciada anulação do concurso em 2011, o congelamento das carreiras e o arrastamento de ilegalidades diversas que se abatem sobre os professores;
- Contra um regime de avaliação que não serve, injusto e burocrático, gerador de problemas e conflitos, que perturba o normal funcionamento das escolas e retira tempo aos professores para que se dediquem ao que é essencial no seu desempenho profissional: o trabalho com os alunos;
- Contra um conjunto de outros aspectos que são traves mestras de uma política educativa que é negativa e não contribui para que o futuro seja melhor. Entre eles, assinalam-se o actual regime de gestão, a progressiva municipalização da Educação, o agravamento da precariedade, entre outros aspectos.
Sei que muitos outros professores preferiram integrar a manifestação da “Geração à Rasca”. Sei também que muitos estiveram ou passaram pelas duas manifestações. Afinal, a “emoção” também é parte integrante do ser-se humano e, felizmente, a dimensão do protesto na Avenida da Liberdade proporcionou esse “acréscimo de ânimo” a quem nele participou.
Aqui, mais uma vez, ficou claro que não é difícil mobilizar contra. Difícil será agora dar um sentido e um projecto unificador a esse protesto catártico.
Mas se os promotores desta iniciativa, e mais as dezenas de amigos que a eles se juntaram para dar um mínimo de organização aos protestos que tiveram lugar em várias cidades, conseguirem congregar num projecto alternativo: os anseios da “simpática” Florbela Queirós, com a visão de sociedade que o Jel tem vindo a propor na última semana, em sucessivas entrevistas televisivas; os ideiais dos jovens skin que fizeram questão de comparecer, com a visão do mundo do Fernando Tordo ou do Pedro Barroso; as propostas políticas dos jovens do PSD, com o ideário dos jovens da Rubra ou dos Precários Inflexíveis; então terei todo o gosto em tirar-lhes o chapéu e vou querer aprender com eles como é que se consegue realizar a quadratura do círculo.