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Conforme sugerido no post anterior, procurarei agora abordar as competências e obrigações dos actores envolvidos na educação das crianças e jovens, fazendo uma breve incursão sobre que aspectos da sua acção devem ser escrutinados pela sociedade. Para o fazer irei recorrer à perspectiva de Andrew Davis e John White, que consideram ser um erro focar o olhar exclusivamente sobre a escola e os professores, na medida em que as responsabilidades relativas à educação dos cidadãos, no sentido de os dotar das ferramentas básicas para organizarem a sua vida pessoal e profissional tornando-se em simultâneo cidadãos bons e úteis para a sociedade, têm que ser partilhadas pelas instituições cuja acção influencia directamente o desenvolvimento das crianças e jovens. Essas instituições são a Família, o Governo e a Escola.
Família:
Considerando que a família, em particular os pais, acompanham de muito perto a criança desde o seu nascimento até à sua entrada na vida social, uma questão tem que se colocar à partida quando se fala de prestação de contas relativamente ao papel dos pais na educação: pode e/ou deve a sociedade questionar a forma como a criança é educada em casa?
Esta questão leva-nos por caminhos onde se cruza o papel do estado e a liberdade de escolha das famílias, qual o papel da comunidade na educação dos seus filhos face à dimensão social do bem educativo, ou onde começa o direito da sociedade determinar o currículo escolar e termina o direito do indivíduo fazer as suas próprias escolhas sobre a escolarização e a partilha de valores com a sociedade em que vive.
Será dentro dos limites desta discussão que se poderá definir o que é, para a sociedade, um bom trabalho parental na educação das crianças e jovens. Sendo certo que é relativamente fácil apontar aspectos negativos, como a negligência ou o abuso infantil, difícil é decidir se uma sociedade democrática deve esperar que os pais ensinem aos seus filhos algumas das matérias e conteúdos entretanto escolarizados, como a introdução à língua materna, saber ler escrever e contar, a apreciação e usufruto de bens culturais, ou a formação cívica e moral. Da mesma forma poderemos questionar-nos se a sociedade pode/deve responsabilizar os pais quanto à exposição dos seus filhos às tecnologias modernas, como a televisão, os computadores, a Internet ou os vídeo-jogos.
Governo:
De modo semelhante devemos perguntar-nos sobre o que é um bom trabalho do governo relativamente à educação dos cidadãos do seu país.
O normal, neste caso, é fazermos incidir o foco nas questões do currículo e dos exames. Veja-se, de resto, que as críticas mais fortes ao governo, que surgem na comunicação social, se centram nestes dois aspectos considerados centrais por parte da maioria dos comentadores encartados.
A questão dos exames é colocada aqui na perspectiva de que compete ao governo construir um mecanismo sólido de avaliação da eficácia das suas medidas educativas e de controlo a posteriori da forma como a escola e os professores cumprem a missão que lhes é superiormente atribuída. Desta forma, saber se o governo está a fazer um bom trabalho na educação é testar se os objectivos definidos para o currículo são alcançados, procurando também aferir se estes são bons objectivos.
Mas, aqui chegados, importa questionar o que são bons objectivos? Partindo do pressuposto de que uma sociedade democrática deseja que todas as crianças se desenvolvam de forma completa e harmoniosa, tornando-se assim cidadãos bons e com capacidade de exercitar os seus direitos, cumprindo os seus deveres, convém explicitar de que forma esse grande objectivo se pode concretizar através das medidas educativas do governo.
Podemos considerar que ser um bom cidadão envolve virtudes como a tolerância, respeito pelo outro ou preocupações com o bem estar alheio. Mas também podemos considerar a necessidade de compreensão da própria sociedade em questões económicas e sociais, ou de gestão da diferença. Poderíamos ainda acrescentar mais uns quantos itens a esta lista, mas o que importa sublinhar é que o governo deve prestar contas à sociedade sobre a forma como garante que estes objectivos são tidos em conta na educação dos cidadãos e como é possível saber se são ou não alcançados. O que remete para muito mais do que a prestação de contas em exames nacionais.
Digamos que a prestação de contas, por parte do governo, envolve a definição de objectivos adequados à sociedade e a provisão dos meios necessários para que esses objectivos sejam efectivamente alcançados, não se ficando por meras declarações de intenção.
Escola/Professores:
Quanto à prestação de contas que compete à escola e aos seus profissionais, ficará assim delimitada de forma mais clara, não sendo possível exigir-lhe o que corresponde a competências e obrigações de outros actores.
Existem duas formas de realizar essa prestação de contas. Uma centrada nos resultados e outra nos procedimentos.
Embora as correntes com maior expressão mediática, por corresponderem ao mainstream neoliberal, se inclinem para a prestação de contas centrada nos resultados, a literatura científica tem identificado muitas fragilidades nesta abordagem.
De facto, saber se uma escola é eficaz, apenas com base nos resultados obtidos pelos seus alunos em exames nacionais, implica, entre outras coisas:
- admitir que o currículo estabelecido pelo governo está ajustado aos objectivos da sociedade, no que diz respeito à educação dos seus cidadãos;
- acreditar que as qualidades pessoais relacionadas com o exercício de uma cidadania consciente, crítica e promotora dos valores da sociedade podem ser testadas em exames nacionais standardizados;
O que nos remete para a necessidade de centrar também a prestação de contas da escola e dos professores ao nível dos procedimentos, matéria que tentarei abordar noutro(s) post(s).
Quem tem medo dos exames nacionais? A Esquerda! [Perdoe-me esta pequena provocação.]
Os exames nacionais são apenas um instrumento de avaliação entre muitos outros, que permitem verificar se determinados objectivos, e não todos, foram alcançados. São portanto um meio e não um fim em si mesmo. Permitem “testar se os objectivos definidos para o currículo são alcançados”, melhor, se alguns objectivos, e não todos, foram alcançados, na medida em que, alguns não são aferíveis através unicamente da utilização deste instrumento. Entre esses objectivos, está com certeza, “ser um bom cidadão”, na medida em que para o ser, tal não depende do domínio do raciocínio que conduz à construção do Teorema de Pitágoras, ou do conhecimento dos elementos da célula ou das coordenadas geográficas, por exemplo.
Não existem instrumentos de avaliação perfeitos, e há sempre alguma coisa que escapa, na sua aplicação. Contudo, os exames e testes de avaliação, contam-se entre os que permitem avaliar com maior objectividade os conhecimentos, e nessa medida, considero que prescindir deles seria um erro crasso, mesmo ao nível nacional.
AMCD,
se percebeu que este post veicula a ideia de abolir exames, devo ter-me expressado mal.
O que me parece claro é que a avaliação da eficácia da escola e do trabalho dos professores não é aferível apenas pelos resultados alcançados pelos alunos em exames nacionais.
A avaliação do desempenho das escolas e dos professores é bastante mais complexa do que uma leitura simplista dos resultados de exames nacionais pode faz crer.
Também não consigo perceber a “provocação” sobre um eventual medo da esquerda relativamente à existência de exames. Só pode decorrer de um preconceito fundado na repetição da ideia que ser contra os exames é ser “de esquerda”. E afinal a que “esquerda” se dirige a sua provocação?
Então estamos de acordo. Também eu concordo que “a eficácia da escola e do trabalho dos professores não é aferível apenas pelos resultados alcançados pelos alunos em exames nacionais.” O “apenas” aqui é importante, porque pressupõe a existência de um “também”.
É que para muita gente, dessa constatação até à defesa da abolição dos exames nacionais, vai um pequeno passo.
O FJ Santos, a meu ver, expressou-se bem, mas constatei que a questão dos exames foi abordada de forma transversal no seu texto, abrangendo a parte respeitante ao Governo e à Escola, em que lhe é dada maior destaque.
Em relação ao suposto preconceito, julgo que não se trata de um preconceito, e não vou aqui desenvolver o conceito de “esquerda”, até porque não gosto de dividir assim as coisas, em “esquerda” e “direita”, pois a realidade é mais complexa, mas tenho verificado que são aqueles que mais se identificam com os valores ditos de “esquerda” que mais contestam a realização de tais exames nacionais estandardizados.
Viva Francisco.
Um post muito interessante.
Aquele 2011 para ti e para os teus.
Abraço.
Ah! Já me esquecia.
Desejo-lhe também um excelente 2011, para si e para os seus.
Abraço.
Paulo e AMCD,
Que 2011 seja tão bom como formos capazes de o construir, mesmo quando os ventos contrários nos procuram atirar borda fora.
Um abraço
Um bom ano, Francisco!