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Quando ouvimos e lemos a grande maioria dos peritos que peroram sobre a crise, a(s) forma(s) de a ultrapassar e a (im)possibilidade do(s) cidadão(s) intervirem e alterarem o rumo das políticas públicas, fica-nos uma dúvida importante por resolver: quantos e quais são ignorantes sobre as modernas teorias da construção dessas políticas e quantos e quais fazem as afirmações que ouvimos e lemos apenas por má fé e interesse em desvalorizar a intervenção da cidadania.

A mesma questão se levanta quando nos defrontamos com o “muro de lamentações” que é diariamente levantado na blogosfera docente sobre a(s) desgraça(s) que se abate(m) sobre a escola pública, a sua gestão e a carreira profissional dos professores. Mesmo entre gente com formação de nível superior e fácil acesso à informação disponível, quer em língua portuguesa, mas sobretudo em língua inglesa e francesa, é confrangedor que se continue a tomar como inevitável a ideia de que as políticas públicas se resumem ao exercício de uma autoridade, mais ou menos legitimada e legítima em função do voto popular exercido com data marcada.

A investigação, abundantemente produzida sobre o processo de fabricação das políticas públicas, há muito abandonou essa ideia peregrina de que «o governo decide, a administração controla o processo e o indivíduo executa acriticamente».

Na verdade, é hoje uma evidência que todas as políticas públicas têm que ser analisadas e percebidas como resultantes de uma acção pública que é multi-nível e multi-actores. O que quer dizer que no processo de construção de qualquer política há actores que se situam nos diferentes níveis que vão da concepção, à decisão e à aplicação e que todos eles intervêm (ou podem intervir) nesses diferentes níveis.

Em certa medida foi o que foi percebido durante o processo de contestação da ADD, durante o mandato de Lurdes Rodrigues, com os resultados conhecidos.

Quando o governo, por razões de controlo da carreira docente e de contenção orçamental no sector público do ensino, resolveu colocar a avaliação dos professores na agenda, fê-lo partindo do pressuposto de que bastaria controlar a arena mediática e afastar os professores dos seus representantes legítimos, os sindicatos de professores.

Numa primeira fase os níveis de concepção (estudo J.Freire) e decisão (DL 15/2007 – ECD e DL 200/2007 – Professores Titulares) correu aparentemente de acordo com o planeado pelo governo: ataque sistemático aos direitos sindicais, desvalorização da intervenção sindical e campanha decisiva na arena mediática, colocando a generalidade da opinião publicada contra os professores, os sindicatos e os seus dirigentes.

Os problemas começaram a colocar-se quando, na fase da aplicação (implementação) das medidas, os actores escolares começaram a pôr areia na engrenagem e, usando da regulação autónoma, começaram a intervir na concepção dos instrumentos de avaliação, a reinterpretá-los e a apropriar-se deles, transformando o processo num monstro burocrático.

Foi por se esquecer de que as políticas públicas já não se reduzem à ideia de que o governo governa, o fiscal fiscaliza e o povo obedece e cumpre, que Lurdes Rodrigues acabou por ter que sair pela porta das traseiras do governo Sócrates. Foi porque souberam resistir, intervindo, que os professores conseguiram recuperar algumas posições, depois do esmagamento a que tinham sido submetidos no período 2005/2008. Mas foi sobretudo por que o fizeram de forma organizada e não caindo na armadilha lançada pelos spin governamentais de se afastarem dos sindicatos que os representam.

Devia ter ficado a lição de que é com a intervenção de todos, a partir de cada contributo individual, que é possível alterar e fazer reverter alguns processos legislativos. Teria sido bastante útil que os actores que emergiram no processo tivessem usado essa descoberta para ajudar a mudar algumas práticas menos acertadas por parte de algumas organizações sindicais. A história do último ano talvez tivesse sido escrita de outra forma se muitas das críticas de treinador de bancada tivessem passado a ser feitas no interior das próprias organizações sindicais.

Assim, parte substancial do trabalho de desvinculação entre professores e sindicatos, que Lurdes Rodrigues e a sua equipa tão afanosamente realizaram até 2008, passou a ser feito por professores. Isso tem consequências que, não sendo irreversíveis, se traduzem em muitas das dificuldades com que todos ainda nos teremos que debater nos próximos tempos.

Todos os professores, enquanto actores na escola, podem e devem contribuir para alterar as políticas de gestão da escola pública e de avaliação do desempenho. Mas não conseguiremos fazê-lo apenas com base na acção individual, por muito forte e cheio de razão que cada um seja, ou por mais admiradores e seguidores que tenha.

Só na acção colectiva organizada se conseguirão frutos que compensem os sacrifícios individuais. E esse é território das organizações sindicais, onde todos temos o direito de intervir, em função da pertença a cada uma delas.