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Ouvir as vozes de sempre acusarem os “malditos mercados” pela constantes subidas das taxas de juro da dívida “soberana” portuguesa faz-me lembrar a canção, criada em 1929, para a revista Charivari – «Maldita Cocaína».
É que por trás dos “mercados”, clandestinos mas dotados de uma ganância insaciável, existem rostos que em relação à acumulação de capital sentem o mesmo que a protagonista da canção escrita por Almeida Amaral e Cruz e Sousa em relação à
Maldita cocaína que roubaste o meu
amante
Que p’ra sempre enlouqueceu
O teu poder fascina
És um corpo de Bacante
Com melodias de Orfeu
Maldita cocaína
Odeio-te e gosto de ti
És a minha companheira
Embora a mais traiçoeira
Que eu amei e conheci.
Hoje não posso deixar
Esse pó de maldição
Vivo da sua ilusão
Acordada e a sonhar.
A vida instante a instante
Sinto que me vai roubando
Mas ai de mim é sonhando
Que me dou ao meu amante.
Infelizmente, para quem vive exclusivamente do rendimento do seu trabalho, este vício mercantil não se limita a enlouquecer os rostos clandestinos que se escondem por trás dos “mercados”. É que nesta “estória” são os trabalhadores assalariados quem paga o vício.
Enquanto os desempregados ficam sem apoios sociais, os reformados vêm diminuir as suas já exíguas pensões e os trabalhadores são espoliados de parte substancial do seu salário, os grandes accionistas dos bancos, das empresas financeiras, das seguradoras, dos grandes grupos económicos da distribuição vêm aumentar diariamente os seus já enormes lucros.
Ao contrário do que nos fazem acreditar, usando alguns capatazes e feitores que distribuem pelos órgãos de propaganda a que pomposamente se chama de comunicação social, os grandes accionistas e administradores da banca, dos seguros e dos grandes grupos económicos andam felizes com a subida das taxas de juro, porque isso lhes garante melhores remunerações para os seus capitais.
As obrigações do tesouro português foram hoje adquiridas pela banca nacional e europeia a taxas perto 7%. Para essa aquisição, não recorrendo a capitais próprios, esses bancos financiam-se junto do BCE a 1%. Os lucros assim obtidos não irão encher os bolsos de nenhuma entidade abstracta, mas sim de pessoas concretas, que são as que detém a maioria das acções desses bancos e que decidem se os vão distribuir sob a forma de dividendos ou reinvestir, valorizando ainda mais as suas acções e acumulando ainda mais capital.
Importa, pois, que fique claro – não existem mercados em abstracto. O que existem são pessoas que detém capital e que, com a conivência dos testas de ferro que dirigem os destinos dos povos europeus do sul, todos os dias acumulam mais capital à custa do sacrifício de quem trabalha de sol a sol (e cada vez mais pela noite dentro).