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A escolha do título para este post foi difícil.

Hesitei entre Tristeza, Miséria, Vergonha. Foram as palavras que me acudiram ao longo da verdadeira tortura que foi assistir ao Plano Inclinado transmitido hoje, em que esteve presente Rosário Gama, a mediática “líder” da contestação às medidas de Maria de Lurdes Rodrigues, por parte dos conselhos executivos deste país.

Ouvindo a prestação desconchavada de Rosário Gama frente aos promotores da escola de elites, Medina Carreira e Nuno Crato, ficou completamente claro o por quê do fracasso do movimento dos CE’s em 2008/09. Daquela cabeça não saiu uma ideia sobre a escola pública republicana para todos e, no essencial, pouco a distingue da ideia de defesa do Liceu do “Estado Novo”.

Como Medina Carreira costuma achar que quem não pensa como ele não apresenta argumentos, deixarei algumas notas sobre o que foi dito no programa conduzido por Mário Crespo, salientando a incapacidade de Rosário Gama rebater os argumento fascistas e ditatoriais aduzidos pelo insigne contabilista, que um dia foi ministro.

Quando MC puxou do argumento estafado de comparar o 9º ano do ensino básico ao “antigo 5º ano do liceu”, RG aceitou a ideia de que os jovens de hoje sabem menos do que ela e MC sabiam quando tinham a mesma idade.

  • Esqueceu-se de acrescentar que quando ela e ele (ou ele e ela) fizeram exame do 5º ano do liceu, mais de 75% dos jovens da mesma idade já não andava na escola (ou nunca lá tinham ido) e que os exames “rigorosos” a que eles foram submetidos não se destinavam à totalidade da população da mesma idade. Isso faz toda a diferença.
  • Esqueceu-se também de lembrar que, quando RG e MC tinham 14/15 anos, nem sequer sonhavam em ver televisão a cores, o computador pessoal não existia e se alguém lhes dissesse que podiam aceder remotamente, através de um teclado e um écran, a uma imensidão de bens culturais e científicos, iriam achar que essa pessoa tinha fumado alguma coisa esquisita ou ingerido alguma pastilha proibida.
  • Em resumo, Rosário Gama poderia ter explicado que face ao conhecimento disponível hoje, há cinquenta anos atrás qualquer diplomado com o 5º ano do liceu não passava de um analfabeto.

Mas ainda mais grave e mais triste foi a forma subserviente como Rosário Gama se referiu à imposição da figura do director nas escolas. Querendo afirmar-se como defensora da democracia nas escolas e da gestão democrática, RG dirigiu-se a Medina Carreira dizendo que sabia que  (cito de memória) “se calhar o sr. doutor não concorda muito com a ideia da democracia na gestão das escolas”. Ao que MC lhe respondeu de forma truculenta “Qual democracia!? Tem é que haver uma cara que mande e que possa ser responsabilizada”.

Já antes, a propósito da alegada inoperância política dos ministros da educação, Medina Carreira tinha exposto claramente o seu pensamento de ditador, ao afirmar que “um ministro não negoceia, manda”.

Em resumo, mais um programa de uma série preparatória e anestesiante da defesa de “soluções musculadas” para o governo do país. Dentro de alguns anos será interessante fazer a análise do impacto deste programa, mas também um conjunto de outros programas de “análise política e económica” que regularmente passam nas televisões privadas, na formação de uma opinião pública conformada e complacente face a medidas governativas autoritárias.

Adenda:

No meio da indignação pela vergonha a que assisti, esquecia-me de acrescentar que acho inadmissível que Rosário Gama tenha aceite, sem sequer pestanejar, que Medina Carreira e Nuno Crato tivessem deixado no ar a ideia de que os professores faltam muito às aulas, que quando não faltam as aulas são uma balda e que é por isso que os alunos não aprendem nada. Na ânsia de agradar a quem a convidou e de justificar a “excelência” da sua própria escola, Rosário Gama aceitou que caísse sobre todas as outras escolas, e todos os professores em geral, o anátema do incumprimento e da balda generalizada. Uma verdadeira vergonha e uma tristeza monumental.