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“De facto, o capitalismo global é, mais do que um modo de produção, um regime cultural e civilizacional que se impõe de um modo tentacular a todas as instituições sociais, ao modo de vida dos cidadãos, aos comportamentos sociais, produzindo uma consciência colectiva impeditiva da afirmação de outras práticas. Os dominados, deserdados e oprimidos, sem que tenham verdadeira consciência, configuram os seus comportamentos a partir das representações dos dominadores, o que constitui um dos grandes obstáculos à crítica e denúncia da dominação e à consequente libertação.” Tavares, M. (2009) Recensão – Epistemologias do Sul. In Revista Lusófona de Educação , p. 184 http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/rle/n13/13a12.pdf
Nos últimos anos temos assistido, em Portugal e no mundo globalizado, à crescente “despolitização” das políticas públicas.
Num mundo em que a economia tomou posse da política, a partir da emergência de modelos regulatórios em que a empresarialização dos serviços públicos surge como a única forma de os salvar da extinção, os governos aceitam como inevitável a adopção dos princípios do mercado, enquanto nova bíblia que conduzirá o homem à salvação.
O movimento de entrega do governo da polis a especialistas não eleitos constituiu uma necessidade imposta pelos modelos de boas práticas (benchmarking), mas em simultâneo colocou um problema de legitimidade perante as populações eleitoras.
A solução encontrada, sobretudo no seio das elites governamentais e dos burocratas não eleitos, (que pululam nos organismos internacionais de regulação – FMI, BM, OCDE, Comissão Europeia) tem sido a de uma crescente despolitização das decisões, invocando critérios de índole técnica e apontando as soluções encontradas como a “one best way” possível para sobreviver num mundo global e globalizado.
A posição que, em Portugal, tem sido assumida por um número significativo de professores (seja na sua prática profissional, seja na intervenção cívica em blogues e nos movimentos “independentes”) tem sido muito acrítica em relação a este discurso despolitizador da política.
De um modo geral, seja quando olhamos para a contestação às medidas do governo anterior, seja em relação à análise dos problemas e constrangimentos que hoje se colocam à vida da escola pública, o discurso desses actores concentra-se em questões de ordem técnica e processual, reivindicando regulamentos tecnicamente mais perfeitos, mas evitando entrar pela análise política das opções.
Na verdade, uma parte significativa do discurso que pode ser classificado como “anti-sindical”, radica na necessidade que muitos desses professores sentem de não se identificarem com posições políticas, associadas a opções partidárias pouco reconhecidas socialmente no nosso país.
Num quadro em que a actuação do secretário geral da Fenprof, eleito em 2007, devolveu credibilidade ao movimento reivindicativo dos professores, por oposição ao descrédito do seu antecessor (que apesar da sua honorabilidade não tinha a capacidade de intervenção, nem a competência mediática, necessária ao exercício do cargo), é relevante anotar que a maior crítica que se lhe faz é a sua militância partidária, e a assumpção clara da defesa de uma postura ideológica na condução das políticas reivindicativas, respeitando as diferentes correntes que se reivindicam da esquerda e que, proclamando a defesa dos professores e da escola pública, têm assento nos órgãos dirigentes da Fenprof.
É que ao contrário do que interessa ao capital e à direita, a solução dos problemas que se colocam hoje à economia global não passa por uma continuidade da despolitização do quotidiano da polis, que garante a hegemonia dos interesses do capital e dos actores não eleitos, que não respondem perante os seus concidadãos. É fundamental voltar à política, no sentido do exercício da cidadania, levando os dominados, deserdados e oprimidos [tendo consciência disso,] a [não] configurar os seus comportamentos a partir das representações dos dominadores.
Tal desiderato necessita de uma escola que, sendo uma escola de cidadãos, garanta a todos a capacidade de questionar a bondade das soluções técnicas, a par da bondade e equidade das decisões políticas. O que implica a clarificação e confronto ideológico e não o apagamento das diferenças entre a esquerda e a direita.