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É recorrente ouvirmos e lermos os mais exaltados discursos contra o “eduquês” que, de acordo com reputados especialistas como Nuno Crato, Santana Castilho ou Ramiro Marques, tem origem num pensamento de esquerda e impede os jovens portugueses de terem sucesso nos testes organizados pela OCDE.
Importa ter em conta que a OCDE é uma insuspeita organização internacional, isenta de todos os males da política e, sobretudo, expoente máximo do rigor técnico e científico que assegura o “only best way” educativo, como se comprova pelo rigor dos “exames” PISA que promove.
Importa também ter em conta que o que de pior o “eduquês” fez ao sistema educativo foi promover a aquisição de competências, em vez de promover a aquisição de conhecimentos.
Esta é a parte da “estória” de carochinha que a direita portuguesa, defensora de uma escola elitista e exclusiva nos anda a vender, desde que há uns anos Nuno Crato descobriu que essa ideia do “eduquês” vende bem.
A outra parte é o que é que são realmente os testes PISA e que valores defendem os especialistas (rigorosos e apolíticos) da OCDE.
Para ajudar a descerrar a cortina, convido à leitura de um artigo de Nathalie Mons e Xavier Pons, incluído na última Sísifo e em que se pode ler:
A OCDE insiste na eficácia relativa dos diferentes sistemas educativos e também na relação com o ideal de democracia social: a equidade não tem que ser atingida em detrimento da eficiência; pelo contrário, os sistemas mais igualitários são também os mais eficientes, sendo a Finlândia o exemplo mais evidente. Mas a OCDE foi para além da estrita análise dos resultados evidenciados por este dispositivo cognitivo, ao propor uma reflexão sobre um modelo educativo ideal que pode ser associado a diferentes espectros políticos: preconizações neoliberais (autonomia da escola, desenvolvimento do sector privado, ausência de ligação entre a gestão eficaz e os recursos) ou social-democratas (escolas de ensino geral único, benefícios do ensino individualizado)[…]
[…]Em Maio de 2006, Xavier Darcos, embaixador da França na OCDE difundiu o argumentário da governança ideal junto do UMP, partido conservador criado para apoiar a candidatura à presidência de Nicolas Sarkozy. Insistiu na necessidade de desenvolver a autonomia da escola (argumento 1, despacho AEF n.º 61749). Em Setembro desse ano, a Révue des inspections générales propôs uma entrevista a dois com Xavier Darcos e Bernard Hugonnier para a edição do seu n.º 3. Esta entrevista incluiu a maior parte dos componentes principais deste argumentário (argumentos 1,2,3,4 e 8).
Esta tendência reforçou-se com a publicação dos resultados do PISA 2006. A 1 de Dezembro de 2007, Bernard Hugonnier comentou nas colunas da AEF os resultados da França no PISA. Justificou o fraco nível dos alunos franceses, dizendo que estes não têm dificuldades no raciocínio científico, mas não são capazes de aplicar esse raciocínio para explicar o mundo que os rodeia. Disse então que o sistema francês era pouco eficaz e de natureza elitista (argumento 2) e que as altas pontuações finlandesas não podiam facilmente ser explicadas só pelo baixo nível de imigração no país. Por fim propôs várias soluções para melhorar o sistema educativo francês.
Este argumentário baseia-se, nomeadamente, nos seguintes argumentos para explicar os resultados da França no PISA.
A nível de todo o sistema educativo 1. Insuficiente autonomia da escola (quanto mais autónoma é a escola mais eficientemente utiliza as suas técnicas e as adapta às realidades locais) 2. A não equidade do sistema educativo francês (a natureza altamente selectiva do ensino secundário, os efeitos perversos das repetências) 3. Ineficiência do sistema escolar (ausência de relação entre o aumento dos recursos e os resultados) 4. Acção limitada nos objectivos e na intensidade no que toca ao apoio escolar A nível da escola e da comunidade envolvente 5. Atitudes negativas dos alunos face à escola 6. Mal-estar docente 7. Clima da escola saudável e positivo (o papel decisivo dos directores no sucesso dos alunos) 8. A fraca participação dos pais na vida da escola e no investimento no sucesso escolar dos filhos |
Mons, N. & Pons, X. (2009). A recepção do PISA em França: uma abordagem cognitiva do debate institucional (2001-2008). Sísifo, Revista de Ciências da Educação n.º 10 – Set/Dez 09