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Na sequência de um comentário que fiz, o Ramiro Marques propôs-me que escrevesse um texto, explicando a minha oposição aos exames no final de cada ciclo de escolaridade. É o que vou fazer, argumentando que são completamente inúteis para melhorar as aprendizagens e a qualidade do ensino, além de introduzirem injustiça por não permitirem diferenciar as aprendizagens escolares do currículo extra-escolar a que só alguns têm acesso.
Comecemos por esclarecer o conceito, recorrendo à definição de exame que podemos encontrar nos dicionários de língua portuguesa:
acto ou efeito de examinar; – Biblioteca Universal Online
prova a que alguém é submetido para averiguação de determinados conhecimentos ou aptidões; – Dicionário da Língua Portuguesa – Porto Editora
controle de conhecimentos; – The Free Dictionary by Farlex
prova a que alguém é submetido, para se verificar se está ou não habilitado a exercer um cargo, a obter um diploma, etc.; – Dicionário Priberam da Língua Portuguesa
As três primeiras definições contêm uma ideia de controlo dos conhecimentos, que admite a existência de uma dimensão formativa no acto de examinar.
A existir essa dimensão, i.e., admitindo que o exame serve para que alguém controle os seus conhecimentos, é possível introduzir no processo de aquisição desses conhecimentos os ajustes que induzam a melhoria das aprendizagens. Estaremos então perante testes-diagnóstico e testes formativos, o que faz todo o sentido para quem pretende melhorar os resultados finais.
A última definição, que se pode encontrar no dicionário Priberam da Língua Portuguesa, afasta-se deste conceito de controlo do processo de ensino, centrando-se em exclusivo na verificação do produto. É a que mais se aproxima das propostas dos defensores dos exames no final dos ciclos.
Realizar exames finais não permite intervir sobre o processo, uma vez que o tempo das aprendizagens é anterior ao controlo. Em função do resultado obtido só há dois caminhos possíveis. Para quem tem sucesso, a obtenção do diploma/certificação dos conhecimentos examinados. Para quem tem insucesso a repetição de todo o processo desde o início.
Pelo contrário, a monitorização de todo o processo através de testes que efectuem um diagnóstico e permitam corrigir, permanentemente, o processo de aprendizagem, é um processo que melhora o ensino e permite reduzir os níveis de insucesso.
Evidentemente que um processo de monitorização constante das aprendizagens implica que se respeitem os tempos de aprendizagem de cada indivíduo, e põe em causa a existência de uma só planificação do trabalho para todos os alunos de uma mesma turma/ano. Não é possível continuar a ensinar a todos, ao mesmo tempo, como se fossem um.
O modelo do exame final, acompanhado por uma planificação comum a todos os alunos da mesma classe, é comparável a uma corrida de todo-o-terreno em que alguns pilotos participam com veículos de tracção integral e assistência de fábrica, outros com veículos de tracção a duas rodas e mecânicos amigos, e outros ainda tendo que fazer a manutenção dos seus próprios veículos, por não terem ninguém a quem recorrer.
E no final, ao mesmo tempo que se aplaudem os vencedores, catalogam-se os últimos como uns falhados.
“Exame” também é uma palavra que se aplica em contexto médico.
Já pensaste fazer o paralelismo em vez de te enredares num discurso todo eduquês, como quem acabou de ler a última novidade de há uns bons anos?
Essa forma de encarar a avaliação é muito soixante-huitard e trouxe-nos a um mau caminho.
É tempo de perdermos esse véu politicamente correcto e sermos claros: um sistema educativo precisa de ver aferido o seu funcionamento.
Há é que saber o método menos perturbador. Só isso.
Paulo,
o discurso nada tem de novo, embora para muita gente que debita sobre as virtudes dos Exames Finais possa parecer novidade. Nunca leram, nunca ouviram, sempre ignoraram.
Quanto aos maus caminhos não são resultantes de se aferir regularmente os progressos dos alunos e introduzir-lhes as alterações adequadas.
A questão é que continua a querer-se planificar o trabalho sem saber de onde se parte. Continua a “dar-se nota” aos testes que apenas servem para diagnosticar esse ponto de partida. Sobretudo, continua a querer-se que todos tenham o mesmo tempo para executar as tarefas, quando sabemos que cada um aprende a ritmos diferentes.
Talvez a culpa não seja do discurso soixante-huitard, mas sim da escola aos quadradinhos que quase toda a gente sente estar errada, mas que todos insistem em manter.
“A questão é que continua a querer-se planificar o trabalho sem saber de onde se parte. Continua a “dar-se nota” aos testes que apenas servem para diagnosticar esse ponto de partida. Sobretudo, continua a querer-se que todos tenham o mesmo tempo para executar as tarefas, quando sabemos que cada um aprende a ritmos diferentes.”
A planificação deveria ser de acordo com o programa e não com o diagnóstico, pois há programas a cumprir.
O diagnóstico deveria ser os antecedentes escolares do aluno, que deveriam atestar os seus conhecimentos e competência para prosseguir.
Só aceito essa visão ao longo do ano, nunca no início. Os alunos, se transitaram de ano, deveriam estar preparados para prosseguir estudos.
Se se sabe que cada um aprende a ritmos diferentes, é preciso dar-lhes mais tempo – por exemplo, dois anos para cumprirem o programa. Ou outras vias alternativas.
at,
escola aos quadradinhos inclui salas pré-determinadas, a horas pré-determinadas, com turmas com um número de alunos pré-determinado… tudo isto defendido pelos arautos da liberdade individual… só se for para rir.
Onde entra o currículo oculto, a que só alguns têm acesso, nessa visão de que no início do ano todos os alunos têm que estar preparados?
Quando é o “início do ano”? O que é “estar preparado”?
Infelizmente ainda há gente cujo pensamento sobre a escola não consegue distanciar-se da sua própria experiência escolar, numa altura em que só alguns tinham acesso à escola.
E vão passando essa ideia de escola a gente acrítica e pouco dada a reflectir.