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O tema anda quente na blogosfera docente. Ai de quem ache que o acordo foi bom para os professores – só pode ser um sindicalista suspeito, ou um vendido aos interesses do governo.
Não há dúvida que os professores (classe à qual pertenço e não renego) são uns tipos muito giros. São, aliás, um dos exemplos mais típicos do que o economista Mancur Olson caracterizou como o “passageiro clandestino” na sua obra “The Logic Of Collective Action”.
Como “passageiro clandestino” Olson identifica o membro de um colectivo que beneficia da acção pública desse colectivo, sem nada investir nessa acção concreta. É o caso dos não grevistas que beneficiam de aumentos salariais, ou de condições de trabalho melhoradas, sem perderem o salário correspondente aos dias de greve convocadas pelos sindicatos, ou sem o incómodo de participar em vigílias, manifestações e outras acções de protesto.
No actual panorama de contestação às políticas educativas do(s) governo(s) de Pinto de Sousa a história não acabou com o acordo de dia 7 de Janeiro de 2010, mas também não começou com a manifestação de 8 de Março de 2008.
Quando for concluída a análise do processo de contestação às medidas personificadas em Maria de Lurdes Rodrigues, o período posterior à manifestação de 8 de Março, que culminou com a perda da maioria absoluta do PS, terá um destaque incontestável.
Mas antes da mobilização geral dos professores havia um número não negligenciável de docentes que já estavam envolvidos na luta, enquanto os “heróis” que hoje se arrogam direitos de interpretação e representação da classe ainda faziam parte do grupo dos “passageiros clandestinos”.
Enquanto, durante o anos de 2006, os sindicatos de professores (com inevitável destaque para a FENPROF) alertavam para os aspectos negativos do que se preparava em matéria de estatuto sócio-profissional dos professores, a esmagadora maioria da classe continuava a assobiar para o lado, como se nada de importante se passasse.
De facto, a simples consulta de alguns arquivos pode demonstrar que enquanto muitos não queriam saber, outros alertavam, informavam, reclamavam e protestavam com os meios ao seu alcance:
- manif 14/6/2006 10.000 professores na rua;
- providência cautelar sobre alterações às componentes dos horários 28/6/2006;
- protesto sobre as condições de negociação da carreira 27/10/2006;
- Protesto contra fecho de negociação do ecd 31/10/2006;
- acções de protesto de rejeição ao ecd 9/11/2006;
- continuação da luta apesar da promulgação do ecd 10/1/2007;
- C. devia passar para o índice 299 em Junho de 2006 (3 anos no 8º escalão DL 312/99), só que o tempo de serviço foi congelado em Agosto de 2005 (quando ela só tinha ainda 2 anos e dois meses no escalão)
- Se não tivesse havido governo Sócrates (maioria), C. teria que aguardar 10 meses após o descongelamento para mudar para o índice 299 (9º escalão), ou seja, mudaria em Outubro de 2008
- Só que Sócrates ganhou, Maria de Lurdes impôs o DL 15/2007 e, em Janeiro de 2008 a C. já não bastavam 10 meses para progredir
- Agora o 8º escalão em que ela estava tinha passado a durar 6 anos em vez de 3 e, ainda por cima, era necessário ser-se “titular” para poder progredir
- C. concorreu ao concurso de titular que se realizou em 2007 mas não obteve vaga, por não possuir os pontos necessários
- Em 30 de Setembro de 2009, quando foi publicado o DL 270/2009, C. estava no índice 245 havia 4 anos e 11 meses. Como não é titular, restavam a C. duas possibilidades – esperar mais um ano e um mês para atingir o topo da carreira de professor no índice 272, ou candidatar-se a uma prova pública, obter aprovação e aguardar por uma vaga como titular para ingressar nessa categoria e progredir até ao índice 340
- O tempo que demoraria a atingi-lo depende de inúmeros factores aleatórios, pelo que não é possível saber se C. chegaria ao índice 340 antes de se reformar
- A partir de 7 de Janeiro as perspectivas de C. alteraram-se. Agora ela mudará para o escalão 299 quando perfizer 6 anos no índice 245, após a entrada em vigor do novo ECD (i.e. em Outubro de 2010)
- Com classificações de Bom atingirá o último índice salarial 8 anos depois
- Quando foi congelado M. tinha 2 anos e 8 meses no 7º escalão e faltavam-lhe 4 meses para mudar para o índice 245
- Quando foi descongelado, já com o DL 15/2007 em vigor, faltavam-lhe 16 meses para mudar para o índice 235 e mais 4 anos para chegar ao 245
- As coisas melhoraram com a publicação do DL 270/2009, por poder antecipar a mudança para o índice 235 e encurtar em dois anos a mudança para o 245
- Quanto ao resto do percurso é em tudo igual ao que foi descrito para a minha amiga C.
Olhando para estes exemplos, haver quem seja capaz de protestar contra o acordo sem perceber que os constrangimentos, o impedimento à progressão e o bloqueio no acesso ao topo são consequência do DL 15/2007, contra o qual 140 mil foram incapazes de se mobilizar na hora certa, é algo que não lembra ao diabo.
Parece ter lógica o texto..todavia os escalões mais baixos ficaram algo esquecidos..e ainda terá de ser esclarecida muita coisa nas futuras negociações….Abraço..
Continuo a não entender que se acabe com a divisão da carreira, por se considerá-la um absurdo, estou inteiramente de acordo, e neste acordo se dê benesses a quem é ou foi titular como está previsto no ponto 38º do Acordo.
A minha situação: Eu não sou titular por falta de vaga, mas uma amiga minha (concluímos o curso no mesmo ano mas eu comecei a trabalhar mais cedo), com 6 meses de serviço a menos, num outro agrupamento teve vaga e é titular.
Se o acordo de mantiver com estas medidas serei “ultrapassada” mais uma vez.
E a avaliação deste ciclo, que foi uma fantochada, vai contar para poder “entrar” nas vagas?
São boas medidas? Não acho.
Sou sindicalizada há + ou – 20 anos e penso continuar a sê-lo, mas acho que há pormenores que não estão bem neste acordo.
Também não considero que os movimentos sejam o “passageiro clandestino”, foram e são, uma força necessária em todo este processo.
anatobo,
a ultrapassagem não decorre do acordo.
Aconteceu por causa do 15/2007 e do 200/2007 – concurso para professores titulares.
Claro que todos preferíamos regressar a 2005. Há muita gente que gostava de ainda ter vinte anos. E a nostalgia do passado é algo com que temos que conviver.
No entanto é preciso perceber os limites com que nos confrontamos.
bulimunda,
no meu post posso não fazer referência a “escalões mais baixos”. No entanto parece-me que o caso do M. é aplicável aos restantes escalões.
A excepção, que é altamente penalizadora, é a situação dos contratados.
Mas aí também é o DL 15/2007 que causa todos os constrangimentos:
CAPÍTULO II
Disposições transitórias e finais
Artigo 10.o
Transição da carreira docente
1—Os docentes que à data da entrada em vigor do
presente decreto-lei se encontram posicionados nos
1.o e 2.o escalões mantêm-se na estrutura e escala indiciária
aprovada pelo Decreto-Lei n.o 312/99, de 10 de
Agosto, aplicando-se as regras de progressão previstas
no mesmo diploma, até perfazerem, no seu cômputo
global, oito anos de tempo de serviço docente para efeitos
de progressão na carreira, com avaliação do desempenho
mínima de Bom, após o que transitam para o
1.o escalão da nova categoria de professor.
2—Os docentes que à data da entrada em vigor do
presente decreto-lei se encontram posicionados no
3.o escalão mantêm-se na estrutura e escala indiciária
aprovada pelo Decreto-Lei n.o 312/99, de 10 de Agosto,
até perfazerem três anos de permanência no escalão
para efeitos de progressão, com avaliação do desempenho
mínima de Bom, após o que transitam para o
1.o escalão da nova categoria de professor.
Não posso deixar de concordar consigo e faço “mea culpa” em relação ao ano de 2006.
Pois…
Eu não recuaria tanto no tempo, fjs. Basta-me 1 ano. Entre Dezembro e Janeiro de 2009 pude aferir o valor de uma assinatura. Claro que me refiro às promessas não cumpridas de milhares de professores e a história dos OI’s.
É verdade, mas não foi corrigido e devia! Perdeu-se uma óptima oportunidade.
Quanto à idade, essa é outra história…
fjsantos,
Continua a não crer preceber:
“Já o meu amigo M. tem um percurso diferente uma vez que, embora tenha mudado de escalão em 2003, tinha menos tempo de serviço e por isso estava no índice 218.
Quando foi congelado M. tinha 2 anos e 8 meses no 7º escalão e faltavam-lhe 4 meses para mudar para o índice 245” – o que significa ter 17 anos e 8 meses de serviço
“Quando foi descongelado, já com o DL 15/2007 em vigor, faltavam-lhe 16 meses para mudar para o índice 235 e mais 4 anos para chegar ao 245” – O que quer dizer que o M. tinha 19 anos de serviço (sem congelamento)
Não sei se sabe mas segundo o DL 270/2009 só são necessários 16 anos de tempo de serviço para mudar do indice 218 para o 235.
CONCLUSÃO: de 16 para 19 vão 3!
Afinal a carreira é mais longa do que se previa!
Não se esqueça que do indice 218 para o 235 existem VAGAS!
fjsantos
Não me parece que a sua amiga C possa mudar assim tão rapidamente, pois não terá mais que quatro anos e dois meses de permanência no índice 245 até final de Dezembro de 2009. Não se aplica nesta situação(eu podia ser essa amiga C) as regras gerais de progressão, ou seja índice 272 ?? Nesta situação há diferença entre titulares e não titulares posicionados no índice 245.
Coisa engraçada.
Escrevi algo, até publicado numa revista e tudo, antes de qualquer desses documentos.
Corria o dia 30 de Maio de 2006 quando o publiquei no Umbigo e dei o título de “Estatuto da Escravidão Docente”.
Tinha-o escrito um par de semanas antes.
Se é para nos colocarmos em bicos de pés…
Ok, Ok, vamos lá andar em pontas… 8)
“30 De Maio De 2006
O essencial…
Espero que os professores não se deixem enganar pela agenda mediática que procura achincalhar a já denegrida imagem docente. Confesso que não me agrada a ideia da vitimação que no calor das discussões é adoptada por muitos professores. Creio que lhes retira clarividência para analisar todo o cenário em que se desenvolvem estas lutas.
Mas, por que razão é que temos de colocar o enfoque nas questões que a comunicação social enuncia? Há que gritar, para que nos ouçam, que o problema dos professores não é o presumível incómodo da presença dos pais ou mesmo a tentativa de ocultação de imbecilidades realizadas por colegas de profissão!
A questão central do documento em análise prende-se com a reconfiguração do papel do professor que é decidido nas costas deles e que apenas visa resolver problemas de tesouraria de um Estado em falência moral.
Será que isto não basta para mandarmos este documento às favas?”
in: http://olhardomiguel.blogspot.com/2006/05/o-essencial.html
Pois é, fjsantos, o que a tua análise ignorou é q os professores dos primeiros escalões, são os + penalizados com o Acordo…numa boa hipótese atingem o topo com 46,47 e 48 anos de serviço! Ou melhor, nunca o vão atingir!
maria das dores,
com o ecd de 2007, o DL 15/2007 (alterado com o 270/2009)
haveria algum desses professores, que afirmas que ignorei na minha análise, que lá chegasse mais cedo? Ou mesmo que lá chegasse?
A resposta a esta questão é essencial para provar que este acordo piorou o que existia.
Colega maria dores,
“… professores dos primeiros escalões, são os + penalizados com o Acordo…”
Isto não é verdade!
Porque o problema vem do DL 15/2007 e DL 270/2009.
O acordo não permitiu resolver este problema.
“O acordo, a que chegaram Sindicatos e ME, tem como objectivo a revogação e substituição do DL 15/2007 (com as alterações aprovadas pelo DL 270/2009) e não a revogação e substituição do DL 312/99. Entender esta realidade é a condição necessária para poder discutir a bondade ou iniquidade do acordo.”
Aqui é que está o busílis da questão: os sindicatos não deveriam ter aceite negociações baseadas num ECD que eles não concordaram, assinaram e negociaram (DL 15 e DL 270). Neste contexto, o acordo foi iníquo.
E mais uma vez, o acordo abre a porta de chegada ao topo da carreira teoricamente, porque na prática pode acontecer muitos lá chegarem na idade de reforma…
Quanto ao contexto histórico, existem algumas verdades a serem ditas mais tarde…
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fjsantos,
Definitivamente só tens razão quando afirmas que este acordo é melhor do aquele que estava em vigor. Mas como esse era uma bosta, logo é uma melhoria pirrica.
Se analisares esta tabela (http://mobilizacaoeunidadedosprofessores.blogspot.com/2010/01/estrutura-do-ecd-e-respectiva-transicao.html) elaborada pelo SPGL, está taxativo que os profs viram aumentados o nº de anos na carreira nos últimos 5 anos. Exemplificando, quem estava antes de 2005 no índice 205 demorava 6 anos a chegar ao índice 299; agora demora entre 14 a 20 anos, dependendo das vagas…!
Ainda especificando mais, na melhor das hipóteses aos 54 anos estou apto a progredir ao indice 299 e na pior aos 60 anos. Também significa que na melhor das hipóteses só aos 62 anos estaria apto a progredir ao 370, apenas 3 anos antes da aposentação. Mas como, devido às vagas, as probabilidades tendem para a pior das hipóteses, então só aos 68 anos é que chegaria ao 370…
Realmente, o pior cego é aquele que não quer ver…