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A necessidade da criação de uma Ordem dos Professores é um tema de debate recorrente entre a classe docente há muito anos. Com a explosão comunicacional proporcionada pela Internet, em particular pela blogosfera, o assunto vem à baila com maior frequência.

Entre as inúmeras organizações que afirmam representar os professores há, que eu conheça, pelo menos duas que se pretendem promotoras da Ordem: a Associação Nacional de Professores e a Associação Sindical Pró-Ordem (espero não estar a errar nos nomes).

Depois encontramos entre os professores que editam blogues, e entre os comentadores habituais dos blogues de professores, muitas dezenas (quiçá centenas) que declaram a sua adesão à ideia de constituição de uma Ordem de Professores.

O José Luiz Sarmento é um dos bloguers que, de forma mais consistente, se bate por essa ideia. Ainda ontem publicou um longo texto em que faz a defesa da sua dama com extremo fervor, declarando que se trata de um imperativo nacional.

Confesso que tenho dúvidas, embora não ache que valha a pena terçar armas contra quem acha que a Ordem dos Professores é que poderia “por ordem” na educação em Portugal.

No texto do JLSarmento consigo encontrar alguns argumentos que poderiam justificar a criação dessa organização. Mas a maior parte dos argumentos não me convencem e até me parecem algo atabalhoados, por me parecerem conter um apelo à demagogia que conquista tropas para a causa.

Entre estes últimos destaco apenas a questão da confusão entre poder, autoridade e legitimidade, como se fossem uma e a mesma coisa.

No caso das ordens profissionais, o facto é que o Estado lhes confere a autoridade para exercerem um poder delegado sobre os profissionais que têm a legitimidade institucional para o exercício da profissão.

No caso dos advogados, dos médicos, dos enfermeiros, dos arquitectos, dos engenheiros e por aí fora, o Estado delega nas ordens a regulação do exercício da profissão, e autoriza que os profissionais legitimados pela respectiva ordem definam quem pode ou não exercer a profissão. É assim que aparecem os “exames à ordem” das diferentes ordens, o que significa que o Estado aceita que alguém valide, à posteriori, as certificações académicas outorgadas pelas universidades, que foram previamente certificadas pelo Estado.

Defender, nesta altura, a criação de uma ordem de professores é aceitar a proposta do ME de introduzir o exame de acesso à carreira, porque essa seria, naturalmente, uma das atribuições de tal organização. Se alguém tem dúvidas, bastará consultar os respectivos estatutos, ou dar uma vista de olhos pelas próximas linhas:

Estatuto da Ordem dos Advogados
Artigo 3.º
Atribuições da Ordem dos Advogados
c) Atribuir o título profissional de advogado e de advogado estagiário, bem como regulamentar o exercício da respectiva profissão;
ORDEM DOS ENGENHEIROS
Artigo 2.º
Atribuições
2 – Na prossecução das suas atribuições, cabe à Ordem:
b) Atribuir o título profissional de engenheiro e regulamentar o exercício da respectiva profissão;
Ordem dos Farmacêuticos
Atribuições e Intervenção
Incumbe ainda à Ordem dos Farmacêuticos, no campo profissional e económico:
a) Instituir o exame de admissão à Ordem e regulamentar os estágios quando for caso disso;
h) Emitir e revalidar cédulas profissionais e atribuir títulos de especialidade, sem prejuízo da titulação conjunta pela Ordem e pelo Estado;
ESTATUTO DA ORDEM DOS ENFERMEIROS
Artigo 3.o
Atribuições
2 — São atribuições da Ordem:
e) Atribuir o título profissional de enfermeiro;
ESTATUTO DA ORDEM DOS MÉDICOS
Art. 6.º
A Ordem dos Médicos tem por finalidades essenciais:
f) Emitir a cédula profissional e promover a qualificação profissional dos médicos pela concessão de títulos de diferenciação e pela participação activa no ensino pós-graduado.
Art. 8.º
O exercício da medicina depende da inscrição na Ordem dos Médicos.
ESTATUTO DA ORDEM DOS ARQUITECTOS
Artigo 3.º
Atribuições
b) Admitir e certificar a inscrição dos arquitectos, bem como conceder o respectivo título profissional;
ESTATUTO DA ORDEM DOS ECONOMISTAS
Artigo 2.º
Atribuições
Constituem atribuições da Ordem:
a. Reconhecer o título profissional de economista aos titulares de licenciaturas na área da ciência económica;
Artigo 4.º
Exercício da profissão de economista
2. O exercício da profissão depende da inscrição como membro efectivo da Ordem.
Estatutos da Ordem dos Biólogos
Artigo 2.º
Atribuições
2 – Incumbe, em especial, à Ordem:
d) Emitir a cédula profissional de biólogo;

A pergunta que fica é: como é que quem defende a criação de uma ordem de professores pode, em simultâneo, opor-se à intenção do ministério (e do governo) instituir a prova de acesso à carreira? É que a bota não dá com a perdigota.