Ao abrir as páginas de alguns dos principais diários que circulam no país, o cidadão anónimo só pode ter um desejo – acordar num outro ponto do globo, onde ninguém saiba que ele é português.
Há vários anos que vai sabendo de uma mão cheia de “trapalhadas”, sempre mal explicadas, a que o nome do 1º ministro aparece regularmente associado.
De todos esses casos não se conhecem quaisquer consequências. Seja para os alegados envolvidos nas ditas “trapalhadas”, seja para as putativas forças ocultas que desencadeiam alegadas campanhas negras contra o 1º ministro e os que lhe são próximos. Há anos que, nestes casos, a culpa continua a morrer solteira, seja ela noiva de quem for.
A última “trapalhada” envolve umas escutas a um amigo de longa data do 1º ministro. Ao que contam os jornais, e Pinto de Sousa confirmou, esse amigo escutado pelas autoridades tinha por hábito falar com o 1º ministro. Ao que se sabe, foi dessa forma que este último também foi escutado pelos investigadores.
Do que foi escutado, alguma(s) parte(s) terá(ão) tido suficiente relevância para que o PGR tenha sentido necessidade de enviar os materiais para o único órgão que pode validar escutas às três mais altas figuras do Estado. Curiosamente, em todas as anteriores “trapalhadas”, nunca o PGR tinha sentido necessidade de recorrer ao STJ, avançando invariavelmente com declarações públicas (ele ou algum procurador-adjunto) afirmando que o 1º ministro não tinha qualquer envolvimento nas matérias em investigação. Desta vez isso não aconteceu.
Ontem, começou então um curioso contra-ataque.
Ao longo de sexta-feira, em declarações sucessivas, Pinto de Sousa, Vieira da Silva e Santos Silva prestaram declarações públicas, que instalam na opinião pública uma dúvida insidiosa sobre as motivações que estarão por trás das notícias vindas a público. A que acresce a insinuação da existência de uma agenda política persecutória do 1º ministro, por parte dos titulares da investigação penal portuguesa.
Estando o processo em segredo de justiça, e uma vez que a barreira de fogo do gabinete de crise do PS é dirigida contra quem viola esse segredo de justiça, é no mínimo estranho que Vieira da Silva fale de espionagem política e Santos Silva de 52 cassetes em 4 meses de escutas.
Dado este primeiro passo, cabe hoje aos editorialistas dos jornais oficiosos do partido do governo colocar mais alguma argamassa na história, nem que para isso tenham que deixar metade da verdade de fora.
O eterno Marcelino aproveita o facto de em Inglaterra ter sido arquivado o processo Freeport, exclusivamente porque os investigadores não possuem meios para aprofundar o conhecimento sobre o que se terá passado, para insinuar que a tese da campanha negra já vem de longe. E depois de falar de dois exércitos que serão utilizados pelas duas mais altas figuras do Estado para se combaterem, tem o topete de se apresentar como não alinhado nessa guerra, em que sistematicamente utiliza meias verdades para defender o PS e outras meias para acusar a oposição.
Já o “júnior” Paulo Ferreira vai directo ao assunto e ataca ferozmente o populismo da oposição, que acusa de poder estar a par do teor das escutas, omitindo que as afirmações de ontem dos responsáveis do PS poderem indiciar o mesmo conhecimento.
É por tudo isto que o cidadão comum e anónimo tem cada vez mais dificuldade em respirar este ar tão poluído por gente que não inspira grande confiança.