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[…]Em Portugal, pelo contrário, há mais de 30 anos que as esquerdas continuam incapazes de se entender para gerarem soluções de governo. Contudo, vários estudos têm revelado que este elemento resulta de um crescente desfasamento entre os eleitores destes partidos (que desejam um entendimento) e os seus eleitos (que persistem na incomunicabilidade).
Os resultados de 27 de Setembro exigem que as esquerdas se encontrem e sejam capazes de explicitar o contributo que cada um destes partidos está disposto a dar para se encontrar uma solução estável de governo. Pelo menos essa tentativa de entendimento é devida ao povo português pela forma como demonstrou a sua vontade eleitoral.”
O excerto que publico acima faz parte do texto justificativo de uma petição para um compromisso de esquerda, a favor da estabilidade governativa.
Na apresentação pública desta iniciativa, os subscritores deste apelo rejeitaram para já imputar ao PS a responsabilidade de avançar com prováveis entendimentos com o BE e com a CDU, optando por afirmar, como o fez Ana Paula Fitas, que a “abertura” e “boa-fé” devem partir das três forças. “Seria um sinal de maturidade política e democrática se as esquerdas se decidissem agora por uma união”, sustentou a investigadora.
Admitindo a possibilidade de eu ser um alienígena que tinha acabado de aterrar em Portugal, ao ler esta notícia, e o texto do apelo, poderia imaginar que o comportamento das sucessivas direcções do PS, ao longo dos últimos 30/35 anos, se pautou por uma defesa intransigente dos valores e princípios da esquerda, do socialismo e da construção de uma sociedade mais justa e equitativa.
Acontece que quem viveu em Portugal nos últimos 30 anos sabe, e lembra-se, que ainda na década de 70 Mário Soares (esse baluarte do “socialismo democrático”) se apressou a meter o socialismo numa gaveta, de onde nem os esforços de Ferro Rodrigues e do que hoje se chama “a esquerda do PS” o conseguiram retirar.
É por isso que ao ler o texto do “compromisso de esquerda”, e a lista dos seus subscritores, me fica a dúvida sobre quem acredita genuinamente na possibilidade de o PS se entender com os partidos à sua esquerda, quando quem dirige o partido são nomes como Pinto de Sousa, Silva Pereira, Vieira da Silva e Augusto Santos Silva, apoiados por personalidades como Almeida Santos, Vera Jardim, Vitalino Canas, José Junqueiro, Carlos César e tantos, tantos outros homens profundamente comprometidos com o neoliberalismo da 3ª via.
E de caminho fico também estupefacto com a ingenuidade de quem imagina que os 2.000.000 de eleitores que votaram no PS o fizeram para que o próximo governo virasse efectivamente à esquerda.
Quando se olha para o espectro político português é preciso olhar para lá do rótulo, das “marcas”. Porque existe aqui um problema de publicidade enganosa, sustentada na apropriação que uma parte da direita (um pouco mais pragmática e inteligente) fez da marca PS. Com algumas pequenas e honrosas excepções, as sucessivas direcções do PS têm estado nas mãos de gente que tem um pensamento nada socialista e tendencialmente liberal (com neo ou sem neo antes).
Dessa forma, imputar à CDU e ao BE a responsabilidade de assegurar a governabilidade à esquerda, sem que o PS se transforme e coloque no fundo do baú o liberalismo que o infecta há muitos anos, é pedir-lhes que também eles abdiquem da defesa dos valores e princípios de esquerda, de que são únicos representantes no parlamento.
Serão os subscritores deste apelo tão ingénuos que acreditem que governar à esquerda é manter o código da precaridade de Vieira da Silva? Ou caminhar para o alargamento do financiamento público da iniciativa privada, como no caso das parcerias público privadas na saúde e educação? Ou até defendendo o encerramento de serviços públicos apenas porque não são lucrativos?
Se é verdade que qualquer entendimento à esquerda terá que passar por compromissos a três, é fundamental perceber que o primeiro passo tem que ser dado pela direcção do PS. E o único passo certo na direcção desse compromisso só pode ser o da rejeição inequívoca da agenda ditada por Bruxelas, pelo FMI, pelo Banco Mundial e por todas as instâncias dirigentes da globalização capitalista, cujos dirigentes não estão sujeitos ao escrutínio popular.