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Graças às dificuldades de acesso à rede, que descrevi no post anterior, tenho aproveitado para entrecortar a praia com algumas leituras.
Entre as coisas com que me tenho entretido está o texto de uma comunicação do Professor António Nóvoa, feita em Outubro de 2006, aos professores do SINPRO SP [sindicato de professores de São Paulo – Brasil].
Nela o reitor da UL fala-nos de uma escola “centrada nas aprendizagens”, por contraposição à escola “centrada no aluno” e à escola “centrada nos conhecimentos” :
A pedagogia tradicional era baseada nos conhecimentos e na transmissão dos conhecimentos. A grande ruptura provocada pela pedagogia moderna foi colocar os alunos no centro do sistema. Mas a pedagogia moderna precisa ser reinventada na sociedade contemporânea. Não se trata de centrar na escola nem nos conhecimentos, como advogava a pedagogia tradicional, nem nos alunos, como advogava a pedagogia moderna, mas, sim, na aprendizagem.
De uma forma muito clara, e por isso muito cativante e esclarecedora, A.Nóvoa leva-nos a reflectir sobre as práticas de uma escola velha e mítica (que nunca existiu, mas que muitos glorificam), mas também sobre algumas práticas da “pedagogia moderna”, que poucos contributos trazem para a resolução dos “problemas da escola ” no século XXI:
Durante muito tempo nas escolas normais foi ensinado que numa turma há sempre um terço de crianças boas, um terço de crianças “assim assim” e um terço de crianças más. Portanto, um terço estava condenado ao insucesso inevitavelmente. Isto é impossível de aceitar dentro de um processo de inclusão. A idéia de que se pode alcançar um patamar comum de conhecimentos, que se pode atingir verdadeiramente sucesso, deve ser uma exigência dos docentes, é uma exigência civilizatória conseguir isso. Não se consegue isso por várias razões históricas, de resignação ou por questões de identidade da profissão. Falar de um patamar comum de conhecimentos é também falar de um compromisso ético dos professores, compromisso ético com esse sucesso. E os professores muitas vezes, infelizmente, não tiveram esse compromisso ético. Ainda hoje em Portugal, a profissão de professor muitas vezes reconhece como os melhores aqueles que reprovam mais alunos. Cabe falar também da importância dos resultados escolares. Não há patamar comum de conhecimento se não houver a avaliação dos resultados escolares. Uma escola centrada na aprendizagem é aquela que o professor dá a melhor atenção aos resultados escolares dos alunos. É também uma escola capaz de colocar em prática mecanismos de diferenciação pedagógica, a descoberta mais importante da pedagogia moderna, feita no princípio do século XX, quando se saiu da idéia da pedagogia simultânea, que era a pedagogia tradicional mais básica, isto é, tratar todos os alunos como se fossem um só, como uma massa uniforme, e passar a dizer que é preciso que cada aluno receba um tratamento diferenciado, específico. Mas as práticas dos professores continuam a ser excessivamente homogêneas e uniformes, e a considerarem pouco a capacidade de diferenciação pedagógica. Isso porque muitas vezes os professores têm dificuldade em recorrer ao elemento central da diferenciação pedagógica: a possibilidade do trabalho em cooperação dos alunos dentro da sala de aula. Se não houver o trabalho de cooperação entre os alunos mais e menos avançados, entre os alunos que têm maior predisposição para certas disciplinas e os que têm para outras, enfim, se não houver a possibilidade do professor não ser o único ensinante dentro da sala de aula, é impossível conseguir práticas de diferenciação pedagógica. A experiência da Escola da Ponte, em Portugal, que tem sido muito divulgada no Brasil, é um exemplo do trabalho de diferenciação pedagógica. Na sala de aula, o professor é mais um organizador das diversas situações de aprendizagem. Trata-se de uma escola extraordinariamente focada na aprendizagem.
Desafios do trabalho do professor no mundo contemporâneo – Palestra de António Nóvoa ao SINPRO-SP, Outubro de 2006
Concordo com o professor A. Nóvoa, em particular, quando diz que “Não há patamar comum de conhecimento se não houver a avaliação dos resultados escolares.Uma escola centrada na aprendizagem é aquela que o professor dá a melhor atenção aos resultados escolares dos alunos.”
Contudo, a avaliação dos professores pelos resultados dos seus alunos não é uma questão pacífica e consensual entre o corpo docente, principalmente se esses resultados escolares forem atestados em testes padronizados à escala nacional.
Como avaliar a qualidade da árvore sem ser pelos seus frutos? Quem ousa aceitar que se coloque entre os parâmetros da avaliação dos professores um referente aos resultados escolares?
É quase uma heresia tocar nesta questão entre os professores. Não é politicamente correcto.
AMCD,
Não creio que da afirmação do professor Nóvoa se possa extrapolar que a avaliação do trabalho docente tenha que ser feita em função dos resultados obtidos pelos seus alunos, em testes standardizados a nível nacional.
Parece-me até abusiva essa leitura.
Que os professores têm que se preocupar e centrar o seu trabalho nas aprendizagens dos alunos, é uma coisa. Que os resultados dos exames nacionais (ou de provas de aferição comuns a todos os alunos) possam servir para avaliar o trabalho docente, sem atender ao contexto em que esse trabalho se realiza, é outra coisa muito distinta.
Então queremos uma escola em que os professores não sejam avaliados pelos resultados escolares dos seus alunos?
Ou queremos uma escola em que os professores não sejam avaliados, mas que dêem “a melhor atenção aos resultados escolares dos alunos” e “avaliem os resultados escolares”?
Ou ainda, que os professores sejam avaliados pelos resultados escolares dos seus alunos, mas não através de exames nacionais? Mas se assim for, como?
Eu sei que a insistência nesta questão incomoda muita gente. Também sei que esta questão pode ser outra questão: avaliação é uma coisa, ética profissional é outra. Mas gostaria de ouvir argumentos convincentes acerca da inexequibilidade da avaliação dos professores pelos resultados dos seus alunos em exames nacionais.
Julgo que esta é uma questão actual e fulcral no que concerne à avaliação e à escola e está a ser colocada noutros países.
Boa tarde.
Penso que o problema da utilização dos resultados escolares dos alunos na avaliação individual do docente resulta do facto de ser impossível estabelecer uma relação rigorosa entre o trabalho do professor e os resultados dos seus alunos. É para aqui que aponta a investigação. Contudo, seria completa estultícia pensar que o trabalho do professor com os seus alunos é inóquo. Nunca é inóquo. Ou faz bem ou faz mal. É aqui que se coloca o dever (a dimensão ética) de o professor tudo fazer para estimular os alunos a superarem sempre o nível que atingiram em todos os planos. Seja ele qual for. O professor intervém nas aprendizagens porque ensina e ensina o que sabe da maneira que sabe. Mas, convençamo-nos, embora neles intervenha, não é dele que essencialmente dependem os resultados dos alunos. Penso, portanto, que o dever se coloca ao nível do crescimento pessoal mais do que ao nível dos resultados académicos/escolares.
AMCD,
Desde logo é preciso perceber que testes standardizados não medem o trabalho dos professores, mas apenas o trabalho dos alunos.
Isto é, num exame nacional quem está em prova é o aluno e o que ele sabe sobre uma disciplina. As aprendizagens que o aluno fez sobre as matérias a examinar correspondem a uma parte do que os seus professores lhe ensinaram na escola, mas também ao que ele estudou em casa, na explicação, com o apoio dos pais ou irmãos mais velhos, os livros que pôde ler, os museus, exposições e outros locais e eventos a que pode assistir.
Quando, e se, for possível isolar o trabalho do professor, medindo o efeito que esse trabalho teve sobre o resultado que o aluno obteve no exame, então podemos começar a falar de avaliar os professores pelos resultados dos exames nacionais.
Existem diversos estudos académicos sobre o valor acrescentado das escolas e como fazer para o medir.
Sugiro a leitura do seguinte artigo: Concepto y evolución de los modelos de valor añadido en educación – Rosario Martínez Arias, José Luis Gaviria Soto y María Castro Morera [http://www.oei.es/noticias/spip.php?article4154]
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