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Graças ao Ramiro tomei conhecimento de um texto publicado no blogue da Apede, que se intitula «7 Teses sobre a Avaliação dos Professores».
Não consigo ter o mesmo entusiasmo demonstrado pelo Ramiro, muito embora tenha que reconhecer que se trata de um conjunto de 7 posts (1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7) que dão um bom contributo para a discussão em torno do que deve ser a avaliação do desempenho docente.
Nesse sentido, sem ter a pretensão de ser exaustivo e muito menos de ser o detentor da verdade sobre o assunto, resolvi fazer uma primeira crítica às referidas teses.
Devo ainda pedir desculpa aos leitores, porque o post é anormalmente longo, o que obriga a um esforço de concentração pouco compatível com a leitura de um blogue. No entanto a pertinência do tema pode servir de justificação para esta opção.
TESE 1 – A avaliação do desempenho docente tem de ser expurgada, como tantos outros aspectos do sistema educativo em Portugal, da substância e dos efeitos da ideologia pedagógica posta a circular pelos “especialistas” que têm dominado o Ministério da Educação.
CRÍTICA:
Está por provar a existência de “uma ideologia pedagógica” veiculada por “especialistas” que dominam o ME.
As evidências conhecidas através da investigação apontam para a existência de uma utilização do conhecimento científico como justificação para a tomada de decisões políticas que, a maior parte das vezes, contrariam o conhecimento produzido.
A acusação implícita ao “eduquês”, que não é mencionado nesta tese, só seria justa se assumisse que “eduquês” não é ciência (e muito menos ciência da educação) mas sim decisão política assente numa visão burocrática e hierarquizada do sistema educativo.
Os titulares do “eduquês” são os decisores políticos – ministros, secretários de Estado, directores gerais e regionais e directores de escolas. Não são os investigadores e académicos que produzem conhecimento sobre a Educação e a Escola.
Assim sendo, o que deve ser recusada é a ideologia política que atravessa transversalmente o espectro partidário e que, limitando a autonomia das escolas, tenta a todo o custo reforçar o centralismo burocrático e o poder do ME e da sua estrutura orgânica.
TESE 2 – Uma avaliação do trabalho dos professores digna desse nome não pode fragmentar a actividade docente em actos parcelares e atomizados, nem pode esperar que o avaliador consiga encontrar “provas empíricas” isoladas para dimensões tão complexas como a «concessão de iguais oportunidades de participação, promoção da integração dos alunos e da adopção de regras de convivência, colaboração e respeito».
CRÍTICA:
Sendo certo que a avaliação do desempenho docente tem que assentar numa visão holística do trabalho de cada professor, não se entende como aceder a essa interpretação global se não se considerarem as diferentes dimensões desse trabalho.
Concordando com a afirmação de que o resultado do trabalho do professor supera a soma aritmética do seu desempenho em cada uma das dimensões em que se desenvolve, parece-me no entanto imprescindível conhecer cada uma dessas dimensões, as dificuldades e constrangimentos que provocam e a forma como são superadas, para poder percepcionar melhor o todo.
TESE 3 – A avaliação do desempenho docente não pode estar sujeita ao modelo da “performance” empresarial.
CRÍTICA:
Concordo com esta tese na medida em que as componentes intangíveis da “produção”, que resulta do trabalho do professor, impedem uma relação numérica e unívoca entre o desempenho e o resultado desse desempenho.
No entanto é preciso não esquecer que o trabalho docente está inserido num trabalho organizacional e que tem uma componente de serviço público que tem que ser escrutinado.
Se é verdade que a relação pedagógica e o contributo para a apropriação do conhecimento por parte dos alunos é muito dificilmente quantificável, já em relação a algumas dimensões funcionais, como as que são contempladas numa avaliação mais administrativa, têm que ser avaliadas de forma objectiva e sobre estas pode e deve recair uma classificação de mérito absoluto.
TESE 4 – A avaliação do desempenho dos professores dos ensinos básico e secundário não deve ser concebida tomando como referência a avaliação dos professores do ensino superior.
CRÍTICA:
Sobre esta tese tenho também alguns pontos de acordo. Nomeadamente na crítica que é feita aos indicadores de inovação teórica e metodológica ou à produção académica. São dimensões que não devem estar presentes no trabalho docente ao nível do ensino básico e secundário e, mesmo ao nível do ensino superior são hoje em dia alvo de crítica de muitos estudiosos, na medida em que menorizam a componente pedagógica e até investigativa, em função do excessivo relevo dado à publicação de artigos e livros.
No entanto, a obrigatoriedade de actualização científica e pedagógica, sendo uma necessidade irrecusável, ganharia alguma coisa com uma aproximação às práticas universitárias, com a generalização de seminários, conferências e debates. Esses poderiam ser espaços em que os professores do ensino básico e secundário reflectissem sobre as suas práticas lectivas, que demasiadas vezes se tornam repetitivas, anquilosadas e monótonas, por reproduzirem modelos importados das suas experiências enquanto alunos, há várias décadas atrás.
TESE 5 – A avaliação do desempenho docente não deve basear-se, prioritária ou exclusivamente, na avaliação entre pares.
CRÍTICA:
Esta tese labora no erro fundamental de todo o modelo que se condena – confundir avaliação com classificação, como se fossem uma e a mesma coisa.
Felizmente, o relatório da OCDE já introduz a diferenciação necessária, embora não o faça de forma explícita, quando chama a atenção para a necessidade de olhar a avaliação na sua dimensão formativa separada da dimensão da progressão na carreira.
Efectivamente, ao falar na dimensão formativa da avaliação o relatório remete-a para o seio da organização escolar. É nesse campo que é aceitável, diria mesmo imprescindível, que a avaliação seja feita entre pares e se desenvolva em duas componentes: a auto-avaliação e a hetero ou co-avaliação.
Já quanto à dimensão classificativa, ou com repercussões na carreira, o relatório aponta para uma solução de avaliadores externos, integrada na avaliação organizacional e com critérios gerais aplicáveis a todas as escolas, para salvaguardar um tratamento equitativo a nível nacional.
TESE 6 – A avaliação do desempenho deve abandonar toda a pretensão de encontrar critérios universais para definir, de uma vez por todas, o que um professor deve ser, pois é certamente muito mais viável reunir consenso sobre o que um professor não deve ser:
CRÍTICA:
A redacção desta tese é fruto dos equívocos enunciados nas críticas anteriores. Surge também como corolário da dificuldade que existe em encontrar consensos positivos no seio de um grupo profissional caracterizado pelo atomismo da sua formação académica, opções político-partidárias e diversidade cultural e social.
Sempre afirmei que, não sendo tarefa fácil, era muito mais simples encontrar um denominador comum contra as políticas educativas deste governo do que propor uma única medida positiva alternativa. Na hora de passar à pró-actividade é natural que ressaltem as diferenças que foram abafadas pela luta contra o inimigo comum.
Por isso esta tese é elaborada na negativa, o que me parece uma contradição quando se propõe algo para o futuro.
Nesse sentido preferiria afirmar, por exemplo:
- O professor deve procurar uma permanente actualização dos seus conhecimentos científicos e pedagógicos, através da leitura, participação em eventos culturais, pedagógicos e científicos, frequência de cursos de actualização, seminários e debates;
- O professor deve ser capaz de se posicionar como o adulto educador e facilitador das aprendizagens, exercendo com rigor e compreensão a autoridade que lhe advém do seu conhecimento científico e pedagógico, mas também da sua experiência de vida e maturidade.
São apenas dois exemplos de formulações positivas que me parecem muito mais assertivas do que as enunciadas na tese.
TESE 7 – A avaliação do desempenho pode e deve partir do princípio de que os melhores avaliadores dos professores não são, necessariamente, os seus colegas de ofício, mas sim os seus próprios alunos.
CRÍTICA:
A crítica a esta tese assenta nas mesmas bases da crítica à tese 5.
Como tal parece-me aceitável que na dimensão formativa da avaliação, a realizar no interior da organização, entre-pares, e com as componentes de auto e hetero ou co-avaliação, também seja tida em conta a avaliação realizada pelos discentes.
Já no que respeita à dimensão classificativa e à progressão na carreira, a participação dos alunos, tal como a dos pares, é absolutamente inaceitável, por introduzir subjectividade e pressão sobre o trabalho e o relacionamento entre o professor e os seus alunos.
Uma discussão destas teses que não se reporte aos comentários justificativos que as acompanham (e que o Ramiro não cita, mas que aparecem no blogue da APEDE) fica inevitavelmente enviesada. Esses comentários permitem responder a algumas (não a todas, é certo) objecções que colocas, tornando-as redundantes. Exemplo: na tese 7, o comentário que a acompanha deixa claro que a avaliação dos professores pelos alunos se inscreve numa dimensão exclusivamente formativa.
Notarás que a tese 6 não nega, em absoluto, a avaliação entre pares. Apenas lhe levanta as respectivas dificuldades, recenseadas no comentário que, uma vez mais, não referes. Uma avaliação entre pares feita numa perspectiva formativa é algo que não me suscita qualquer reserva, e se for feita no contexto da escola enquanto comunidade, ainda melhor (mas isso é conversa para outro texto da APEDE que será, em breve, apresentado e que não cabe num blogue).
Quanto à definição positiva do que é um bom professor… Pois é, aí começam as ratoeiras da ideologia e das definições que, de tão bem intencionadas, facilmente deslizam para o abuso. O que é um «adulto facilitador das aprendizagens»? Já sei que tens resposta para isto. Receio bem é que ela não coincida com a minha…
Mário,
Como compreenderás limitei-me a reproduzir as teses e não os comentários que as acompanham, por uma questão de economia do post. No entanto remeti, através do respectivo link, para cada uma das teses publicada no blogue da Apede.
Reitero a ideia de que a publicação das teses é meritória, no sentido em que abre espaço ao debate. Mas exactamente por abrir esse espaço, é natural que se expressem divergências que traduzem uma natural diversidade cultural e social dos professores, a que se somam diferentes formações académicas e opções político-partidárias.
Não me parece que para o enriquecimento do debate seja útil “andar à caça” de “ratoeiras da ideologia”. Nesse sentido, um adulto facilitador de aprendizagens pode ser um professor, mas também tem que ser um pai ou qualquer outro familiar mais velho e experiente, ou qualquer adulto que tenha por missão integrar a criança ou o jovem na comunidade. Simplificando podes traduzir a expressão por “educador”, expressão que te esqueceste de incluir no teu texto.
Mário e Francisco: parece-me que a questão central deste modelo deveria ser procurada.
Onde reside a sua lógica intrínseca, em que tipo de discurso, de filosofia subjacente se vai legitimar?
Se virem as coisas por esse prisma, será mais fácil compreender as articulações internas e externas deste modelo de ADD.
A avaliação deveria ser feita, não a nível individual, mas sim enquanto «unidades funcionais», enquanto equipas pedagógicas (a escola como um todo, o departamento, o grupo disciplinar…): com efeito, a estruturação interna, a organização interna do trabalho é que faz sentido ser avaliada. O «desempenho» deveria ser o da equipa docente (deveria ser «ADED»: avaliação de desempenho da equipa docente). Isto, no pressuposto de que um dado modelo de ADD se destina a melhorar práticas!
Porquê? O trabalho docente é em equipa, em muitas das suas etapas e mesmo na fatia que não o é directamente, resulta largamente e é condicionado a todos os títulos por um conjunto de «realidades institucionais» que envolvem a acção pedagógica concreta. No fundo, há uma equipa educativa, que toma conta colectivamente da educação das crianças ou adolescentes. Não nos entregam os encarregados de educação os seus educandos a um prof. ou de uma sucessão de profs. mas sim à entidade «escola», como é evidente!
Mas o pressuposto é capitalista; ou seja, pretende «premiar» ou «penalizar» o indivíduo, sem ter em atenção sequer que ninguém faz ou dá o seu melhor senão dentro de determinado contexto. Mas no capitalismo, é preciso interiorizar a norma de que há uma hierarquia de mérito, que os «melhores» trapam mais depressa, etc.
É um modelo que não presta, nem como base para melhorar.
Gralha!
queria dizer: os melhores trepam mais depressa .. e não «trapam»!!!!!
Manuel,
Penso que nem o Mário está preocupado em “melhorar” o actual modelo, nem a minha crítica pode ser entendida com base no complex ou no simplex.
São fases de um processo histórico, que tiveram o mérito de dar visibilidade a muita gente que pensa e discute a Escola.
O que se pretende agora é encontrar pistas para um modelo de avaliação que permita melhorar o serviço público de educação, mas que induza também comportamentos mais assertivos de cada professor, enquanto membro de uma «unidade funcional», como tu lhes chamas.
A participação dos professores neste debate é indispensável, até numa óptica de valorização da capacidade de reflexividade, que é reclamada pela classe.
Francisco,
Admito que tenhas alguma razão no que respeita à necessidade de distinguir entre «avaliação» e «classificação» ou, para usar a terminologia do relatório da OCDE, entre uma avaliação essencialmente formativa e uma avaliação com efeitos para a progressão na carreira. Essa distinção não surge de forma clara nas “teses” porque elas foram pensadas, acima de tudo, como desmontagem de pressupostos que comandam o modelo de avaliação cozinhado por esta equipa ministerial. A relação entre esses dois tipos de avaliação, que está longe de ser linear, coloca outros problemas que não cabem no horizonte dessas teses, pois elas foram pensadas numa óptica destrutiva, e não propriamente construtiva (à excepção da última tese, que é, no entanto, obviamente insuficiente como base de um discurso positivo sobre um modelo de avaliação). As reservas que colocas às teses 3, 4 e 5 não as vejo como objecções, mas como complementos do que aí é dito, numa perspectiva que aponte para um modelo alternativo que não está, de facto, pensado nas referidas teses. Como já disse, essa é uma outra conversa, que terá de ficar para o momento em que a APEDE se decidir a apresentar uma alternativa global, que não se pode limitar, de resto, à questão da avaliação do desempenho docente – uma questão, em meu entender, que deve ser subordinada à ideia do que se pretende para o sistema de ensino em Portugal. O texto para essa alternativa já está praticamente pronto. É só limar algumas arestas. Quando for apresentado, voltaremos a este debate.
Ok Mário,
fico à espera desse documento e, na medida em que contribua para a construção de um modelo alternativo e positivo, darei a opinião e farei as críticas que julgar adequadas.
Tendo sempre como horizonte a melhoria do serviço público de educação e a Escola Pública Democrática e para Todo@s.
Atenção, meus caros. Perspectiva-se a criação da Agência de Avaliação, pelo PSD, com a diluição da participação dos professores (sim, dos professores) no processo de avaliação do desempenho e a responsabilização dos directores pelos resultados das escolas. Estamos mesmo a ver quem se vai lixar no fim. A falta de lucidez que muitos têm vindo a revelar é confrangedora.
Concordo com os comentários de Manuel Baptista (Julho 17, 2009 às 7:34 pm ) Sem dúvida esclarecedores de uma visão ampla do que está em causa. Esta tese foi sempre a que defendemos: “O «desempenho» deveria ser o da equipa docente “. Estamos em equipa e devemos colaborar, cooperar para a melhoria global das aprendizagens dos alunos, incluindo ao nível do comportamento. Aceitar que cada professor seja avaliado isoladamente é esquecer as dinâmicas subjecentes à aprendizagem. Um aluno que vem de uma aula com determinado professor em que “perdeu as estribeiras” vai ter repercussões claras na predisposição para aprender na aula seguinte. Como escrevi há anos num texto publicado na revista O Docente – “Ranking de Escolas: Os Alunos Não São Tijolos” – os professores trabalham com pessoas. Os resultados dos alunos dependem em muito do esforço de empenho que os alunos (e as famílias!) colocam no respectivo percurso académico. Aliás, no seu livro “Bom Aluno, Mau Aluno”, já Michel Gilly identificou causas várias do fracasso escolar em que o papel dos professores não é ignorado mas relativizado. Se formos julgados pela percepção que os demais fazem do professor (tal como na turma da minha filha, que concluiu o 11º ano com 20 valores a todas as disciplinas e está com 19 valores nos exames realizados até ao momento!), os professores serão SIMULTANEAMENTE EXCELENTES e INCOMPETENTES, conforme os inquiridos. para uns os professores. Ora, por minha parte recuso-me a ser SIMULTANEAMENTE BESTA e BESTIAL. Lidamos diariamente com pessoas que não podem ser isoladas do seu contexto (geográfico, cultural, académico, social, económico, emocional, etc.) de origem. E cada caso é um caso bem diferente dos demais. Igualdade na diferença. Nesta sociedade que se diz tão plural e personalista, em que se reconhece um sem número de direitos, ainda falta reconhecer um direito aos alunos (que deveria ser constitucional!): o direito ao fracasso escolar. Ou não é verdade que muitos dos futebolistas de sucesso, muitos dos campeões olímpicos, etc… (que gastam o seu tempo treinando e nada lhes resta para os estudos!) eram uns fracassados na escola!?