Desde há muito tempo estou convencido que a luta dos professores contra as políticas educativas terá que passar por um confronto, determinado e esclarecido, nas legislativas deste ano.
Escrevi e disse, logo no pós 8 de Março, que de nada adiantaria substituir a ministra e os secretários de Estado, se quem os substituisse viesse aplicar as mesmas medidas. Por outro lado, até me parecia contraproducente para os nossos objectivos que essa substituição se realizasse. Com ela poderíamos correr o risco de aparecer alguém mais afável, mas que nada de substancial mudasse – ECD, Gestão, ADD, Vínculos, etc.
Evidentemente que a contestação e a pressão sobre o governo teria sempre que continuar a existir. Por isso as manifestações de Novembro/08 e de Maio/09 foram importantes, tal como as duas grandes greves de Dezembro e Janeiro. Do mesmo modo que poderá ser útil e interessante uma nova manifestação na reabertura do ano lectivo.
Mas tudo isso tem que estar, necessariamente, de acordo com a avaliação política da correlação de forças. Se a táctica pode ser importante, a estratégia é fundamental.
Sem esquecermos que as pitonisas da (in)governabilidade não se calam desde a noite de dia 7.
Uma semana depois das eleições europeias, que tiveram um resultado a todos os títulos notável e importante para a luta dos professores, começa a fazer sentido pensar o futuro e antever o realinhamento das forças em presença.
Nestas eleições o slogan anti-PS, que muitos professores adoptaram, foi útil e permitiu alcançar o primeiro objectivo – derrotar Pinto de Sousa e mostrar que é um ídolo com pés de barro ou, numa linguagem maoísta, não passava de um tigre de papel.
Mas em Setembro essa já não deve ser a postura de quem se bate pela escola pública democrática e para tod@s.
É que em Setembro é preciso distinguir entre quem, no campo das políticas públicas de educação, está de acordo com o que o PS andou a fazer e quem, de facto, está contra.
É preciso distinguir quem, a partir de certa altura, começou a criticar o governo apenas porque não avançava mais depressa para a privatização das escolas e quem, desde sempre, se opõe a essa política. É imprescindível não confundir quem apenas está interessado em remodelações cosméticas do ECD, sem mexer sequer na administração e gestão das escolas, e quem quer que a autonomia das escolas seja uma realidade e se bate para que a democracia no seu interior seja uma prática em vez de um discurso vazio.
Por tudo isso, em Setembro (é logo a seguir às férias de Agosto :)) já não serve o slogan «vota à esquerda ou vota à direita, mas não votes PS».
Em Setembro, quando escolhermos quem vai governar nos próximos quatro anos, temos que saber que além do PS, também PSD e CDS/PP seguem acriticamente as orientações de Bruxelas, do BCE e da OCDE, que incentivam a contenção de custos e olham para a despesa com a educação como um gasto supérfluo e não como um investimento no futuro do país. [Até por isso teria sido bem mais interessante uma participação maciça nas eleiçõs de dia 7]. Como será importante que, mais do que votos de protesto, os professores depositem nas urnas votos de confiança na mudança.
Mudança de protagonistas e mudança de políticas.
Porque tanto os protagonistas, como as políticas que eles adoptaram desde os idos de 80, apenas nos conseguiram trazer aonde estamos hoje – na cauda da Europa e a sermos regularmente ultrapassados por países em vias de desenvolvimento.
Ora aqui está uma discussão que importa fazer. Começo por abordá-la do ponto de vista dos movimentos independentes de professores. Dizes que o slogan «vota à esquerda ou vota à direita, mas não votes PS», que alguns desses movimentos têm defendido, já não serve para as próximas eleições. Acontece que se os movimentos quiserem manter efectivamente a sua independência face ao espectro político-partidário, e que é algo que lhes tem dado credibilidade junto dos professores, não podem indicar um sentido de voto para lá daquele que está explicitado nessa frase (aliás, mesmo essa indicação já lhes valeu a crítica de que se estavam a envolver demasiado na luta partidária). Há, no entanto, outras razões para que os movimentos não excedam tal indicação. Uma delas prende-se com o facto de as simpatias político-partidárias das pessoas que combatem nesses movimentos serem heterogéneas, à esquerda mas também à direita, tendo em comum apenas essa determinação de não votar no partido de Sócrates.
Indo agora à substância do que sustentas neste texto, direi que, em abstracto, concordo contigo. É importante que a próxima configuração de forças políticas com assento no parlamento dê representatividade significativa aos partidos que se batem contra a lógica neoliberal de esvaziamento da escola pública e de privatização do ensino, uma lógica que é transnacional e de cuja receita o PS de Sócrates tem sido aluno aplicado. E é verdade, sim senhor, que esses partidos estão à esquerda e não à direita do PS. Resta saber, contudo, se é realista esperarmos que as próximas eleições tragam, por si só, uma «mudança de protagonistas» e uma «mudança de políticas». Ou, pelo menos, uma mudança que seja substancial. Aí já tenho as minhas dúvidas. Pois, por muito que os partidos à esquerda do PS cresçam eleitoralmente, não é crível, ainda assim, que eles venham a ter uma representação parlamentar capaz de condicionar significativamente a direcção do PS, caso este partido venha a obter uma maioria relativa. Se assim for, a direcção do PS que formará governo é a actual, e esta mais facilmente fará acordos pós-eleitorais com o CDS-PP do que com o PCP ou o BE. Claro está que o reforço dos partidos de esquerda na Assembleia da República não deixará de marcar o terreno a Sócrates e até de estimular eventuais movimentações na ala esquerda do PS com vista ao derrube de Sócrates. Nesse e noutros sentidos, José Sócrates é hoje um político a prazo, que o PS descartará a partir do momento em que deixar de lhe oferecer vitórias eleitorais garantidas. Gozará talvez uma “travessia do deserto” nalguma mordomia dourada, não sem antes deixar um PS esvaziado e escaqueirado, muito parecido com o que (ainda) é o PSD actual. Mas, entretanto, Sócrates terá de passar pelo calvário de uma maioria relativa que o obrigará a governar contra a sua natureza arrogante, tendo de fazer aquilo que mais detesta (e que o vai matar politicamente): acordos, negociações, cedências. E aí não podemos contar apenas com os partidos à esquerda do PS. Aí precisamos, pragmaticamente, dos partidos de direita, pois é com eles, não tenhamos dúvida, que Sócrates, mesmo a contragosto, se sentirá forçado a entender-se. E a grande incógnita é: enquanto professores, o que podemos esperar do PSD e do CDS-PP? Mais concretamente: podemos esperar desses partidos um contributo para uma alteração relevante das políticas que o governo PS impôs às escolas? Devo confessar que os encontros que, enquanto movimentos, tivemos recentemente com os grupos parlamentares desses partidos não foram muito esclarecedores. Preocupa-me, em particular, que o PSD mostre alguns pruridos em mexer nos supostos «direitos adquiridos» dos professores titulares.
Apesar disso, penso que há ainda margem de manobra para, numa perspectiva realista, conseguir pelo menos duas coisas: acabar com a divisão da carreira docente e pôr fim a este modelo de avaliação. Já o novo modelo de administração escolar parece-me muito mais irremovível, pois à sua volta instalaram-se demasiados interesses. Não tenho dúvidas de que os partidos à direita do PS desejarão preservar uma qualquer forma de bloqueio na progressão salarial dos professores. Porém (e continuo num registo realista), se esse bloqueio não passar por uma divisão iníqua da carreira docente e por um modelo de avaliação absurdo, ficaremos numa situação ainda insatisfatória, é certo, mas melhor do que a actual e que poderá, no futuro, ser corrigida. Ou seja: a degradação das políticas estruturais para o ensino manter-se-á, mas creio ser viável algum ganho positivo para os professores enquanto classe profissional. Nem tudo estará perdido, ainda que a escola pública de qualidade fique, uma vez mais, adiada. Seja como for, tudo o que pudermos obter num quadro em que o PS se veja obrigado a negociar com o PSD e com o CDS só será conseguido se fizermos sentir a todos esses partidos que estamos dispostos a retomar a luta, porventura ainda com mais determinação e radicalidade. Talvez o PSD perceba que, num cenário em que se possa substituir ao PS, não terá qualquer vantagem em prolongar uma guerra com os professores.
E se for o PSD o partido mais votado nas próximas eleições? Penso que, nesse caso, as últimas palavras que escrevi acima mantêm toda a pertinência.
Desabafo de um “condenado” que recuperou a esperança no dia 7 de Junho de 2009
Foi um grande casamento,
Que a maldade cimentou
O par Lurdes Socretino
Que o saber ridicularizou.
De tantas que nos fizeram,
A que mais me magoou,
Foi o tempo de serviço
que esta dupla nos roubou.
O Dinheiro é vil metal.
Posso aprender a poupar!
O tempo, esse me foge,
Não o consigo agarrar.
O tempo que me roubaram
nem sequer é tempo meu.
Mas também não vos pertence!
O tempo foi Deus que deu!
Se ainda querem redimir-se
E sair disto em paz,
Restituam-nos o tempo
Nenhum proveito vos faz!
E a maldita avaliação?
Também ela vos perdeu
A cobra que nos lançaram *
Foi ela que vos mordeu.
Se lá no Chile que o pariu,
O modelo já ruiu!
Por cá “se demora más”
Mas leva o governo atrás!
* modelo de avaliação