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Há uns dias atrás fiz uma breve leitura da portaria 365/2009 (contratação de professores pelos agrupamentos TEIP).
Na altura limitei-me a abordar a parte cómica da “coisa”, focando a atenção nos atropelos à língua portuguesa e no linguajar alegadamente “legalisto-eduquesiano”, que um qualquer assessor avençado deve ter achado “um must”, e que foi pago pelos nossos impostos.
Hoje pretendo lançar um olhar diferente sobre o assunto, abordando as questões da justiça e do interesse público.
Da justiça e equidade da “coisa”:
- O DL 51/2009 veio alterar o DL 20/2006, que já tinha sido alterado pelo DL 35/2007.
- No art. 1º – Objecto – pode ler-se «1 — O presente decreto -lei regula o concurso para selecção e recrutamento do pessoal docente da educação pré -escolar e dos ensinos básico e secundário; 2 — O concurso referido no número anterior constitui o processo normal e obrigatório de selecção e recrutamento do pessoal docente aí identificado.»
- Mas, no art. Artigo 64.º -A – Escolas prioritárias – lê-se: «2 — O preenchimento das vagas de quadro das escolas prioritárias pode fazer-se por concurso local, obedecendo a requisitos próprios nos termos a estabelecer por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e da educação.»
Sendo um leigo em matéria legal, fico com a impressão de que as Escolas Prioritárias estão legalmente habilitadas a contratar professores de uma forma anormal. Mas imagino que legal, uma vez que não vi ninguém contestar a letra da lei.
- A portaria 365/2009 para a qual remetia o art. 64-A do DL 51/2009, fixa as competências do júri, no art. 4.º «1 — Em cada agrupamento de escolas e escola não agrupada prioritário é constituído um júri composto por um presidente, dois vogais efectivos e dois suplentes; 4 — Compete ao júri assegurar a tramitação do procedimento concursal, desde a data da sua designação até à elaboração da lista de colocação final; 5 — É, nomeadamente, da competência do júri a prática dos seguintes actos: b) Ouvido o conselho pedagógico, atribuir a pontuação aos critérios gerais de avaliação, fixar os critérios específicos de selecção correspondentes aos critérios gerais e a respectiva pontuação; c) Admitir e excluir candidatos do procedimento, fundamentando em acta as respectivas deliberações;»
A atribuição deste conjunto de competências aos júris, sabendo-se que serão constituídos 59 júris diferentes, corresponde ao reconhecimento de que poderá haver 59 regulamentos “anormais”(*) de colocação de professores [* – anormais no sentido em que podem deviar-se do processo normal e obrigatório de selecção e recrutamento do pessoal docente da educação pré -escolar e dos ensinos básico e secundário, regulado pelo DL 51/2009]
No sentido de dar maior discricionariedade à acção dos 59 júris e, por arrastamento, aos órgãos de gestão dos 59 TEIP’s, o art. 5º é uma verdadeira pérola:
- Artigo 5.º – Critérios de selecção – «1 — Os critérios de selecção são identificados como gerais e específicos; 2 — São critérios gerais de avaliação: a) Experiência profissional; b) Formação profissional; c) Perfil de competências; 3 — Os critérios gerais de avaliação podem ser alternativos ou cumulativos; 4 — A classificação final, obtida na escala de 0 a 100 pontos, resulta da soma das classificações atribuídas em cada um dos critérios gerais de avaliação; 5 — Para cada um dos critérios gerais, o júri fixa critérios específicos e respectiva pontuação, tendo em conta o limite estipulado para cada critério geral; 6 — Na experiência profissional pode ser considerado, entre outros critérios específicos, o tempo de serviço prestado nos territórios educativos de intervenção prioritária; 7 — A formação profissional deve ter em consideração a natureza específica dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas prioritários e o seu projecto educativo; 8 — O perfil de competências pode ser avaliado por apreciação curricular ou através de entrevista profissional de selecção, a realizar pelo júri e obedecendo ao disposto no artigo 13.º da Portaria n.º 83 -A/2009; 9 — A entrevista profissional de selecção visa avaliar, de forma objectiva e sistemática, a experiência profissional e aspectos comportamentais evidenciados durante a interacção estabelecida entre o entrevistador e o entrevistado e a sua adequação ao perfil de competências exigido para o posto de trabalho a ocupar no quadro; 10 — Para cada entrevista profissional é elaborada uma ficha individual contendo o resumo dos temas abordados, os parâmetros de avaliação e a classificação obtida em cada um deles, devidamente fundamentada»
Como se pode ler, o júri pode começar por escolher se os critérios gerais são considerados em alternativa ou se devem ser cumulativos. Isto permitirá que se um júri quiser contratar alguém com formação ao nível de pós-graduação e sem experiência profissional pode fazê-lo, mas pode também fazer ao contrário e garantir que alguém com menos formação e mais tempo de serviço fique com o lugar. Isto para não falar de algumas “formações certificadas” que ensinam a trabalhar com “crianças às cores”. Dependerá dos “humores” do júri ou do “factor C”.
Depois o júri pode decidir se entrevista os candidatos ou se faz a análise do seu currículo, o que mais uma vez dá para tudo, já que para cada entrevista profissional é elaborada uma ficha individual contendo o resumo dos temas abordados, os parâmetros de avaliação e a classificação obtida em cada um deles, devidamente fundamentada, o que como todos percebemos dá total garantia de que nenhum entrevistado ultrapassará outro que tenha melhor currículo.
E quanto à “estória” do tempo de serviço prestado em TEIP’s, só se for para nos rirmos a bandeiras despregadas. Se não imaginemos um caso em que um agrupamento é TEIP porque uma das suas escolas do 1º ciclo está inserida num bairro degradado e com grandes carências a todos os níveis, mas todas as restantes escolas do 1º ciclo vivem situações de perfeita normalidade. Alguém acha justo que um professor que trabalha com alunos do 3º ciclo, aonde não chegam as crianças da escola TEIP porque saem do agrupamento antes de ingressar no 7º ano, tenha uma pontuação especial porque é professor do agrupamento? Pois bem, o júri pode achar…