Ao fim de quatro anos de governação de MLR/JP/VL, o discurso sobre a crise da escola pouco ou nada mudou, apesar da retórica socialista querer fazer passar a ideia de que as políticas educativas deste governo se destinariam a resolver todos os problemas de uma “escola em crise”.
A questão é que o conceito de crise, quando aplicado à escola pública e à forma como, em Portugal, se procedeu à massificação da escola, nunca foi suficientemente clarificado, impedindo dessa forma a realização de um diagnóstico correcto, que permitisse introduzir as melhorias no serviço público prestado.
Não é que não tenha havido estudo e debate sobre a alegada “crise da escola”. Não é que não pudessemos ter aprendido com o que aconteceu noutros países que passaram pelo mesmo processo. A questão é que a discussão pública sobre a escola tende a ficar-se pela superficialidade e pelo senso comum. E, normalmente, a opinião publicada não dá a voz a quem reflecte e tem investigação publicada sobre a matéria.
Talvez por isso seja útil e interessante ler o que pensa sobre “a crise da escola” um dos grandes especialistas e investigadores, como é o caso do professor Bernard Charlot:
«Naquele momento da História em que a escola passa a ser percebida como elevador social, as questões do fracasso escolar, da desigualdade social face à escola e dentro da escola, da “igualdade de oportunidades” impõem-se, logicamente, como temas principais de debate sobre a escola. Não se fala da qualidade da escola, questiona-se a justiça da escola.
Também é nessa época que começa a produzir-se o que, a meu ver, foi talvez o fenómeno mais importante: uma mudança da relação com o saber e a escola. Hoje em dia, para que é que as crianças vão à escola? Para “passar de ano” e “ter um bom emprego mais tarde”. De certa forma, isso é realismo. Só que há cada vez mais alunos que vão à escola apenas para passar de ano e que nunca encontraram o saber como sentido, como actividade intelectual, como prazer.
A ideia básica da teoria do capital humano, de que a educação é um capital que traz benefícios para a vida profissional, não é apenas uma ideia dos capitalistas, é também a ideia predominante na mente dos jornalistas, dos políticos, quer de esquerda, quer de direita, dos pais e dos próprios alunos. Assim aumenta a diferença entre o que a escola oferece e o que os alunos e os pais esperam dela e, portanto, aumentam as dificuldades dos docentes.
Já naquela época falavam, e ainda se fala hoje, de “crise da escola”. Na verdade, se fosse uma crise, já há muito tempo que a doente estaria morta! Trata‑se de outra coisa: a escola contemporânea é permeada por contradições estruturais. Enquanto a escola selecciona os seus alunos, ela vive numa situação de relativa paz; quando ela se abre a novos públicos escolares, ingressam também nela novas contradições sociais. Cada vez que acontece uma democratização numa parte da escola, essa parte entra em “crise”. Pela minha parte, prefiro essa “crise” de uma escola democratizada à paz de uma escola elitista.» Charlot, B., (2007), Educação e Globalização: uma tentativa de colocar ordem no debate, Sísifo/Revista de Ciências da Educação nº 4, Out/Dez 07