Há quem tenha conseguido obter uma projecção mediática (em função da ocupação conjuntural de uma posição mais visível na luta dos professores ao longo do último ano), mas que continua a confundir os níveis de análise e a produzir interpretações à luz de modelos inadequados à situação concreta da Escola Pública, das políticas públicas defendidas pelo poder institucional e das relações entre a classe profissional docente e o movimento sindical.
Como é público e não pretendo escamotear, está a fazer por esta altura um ano que me envolvi pessoalmente em movimentações de professores, que acabaram por culminar na criação de uma associação de professores – a APEDE – o que na altura correspondeu a uma tentativa de mobilização dos professores (ao nível de cada escola) e que se traduziu na criação de diversos movimentos conhecidos como independentes.
Esta ideia de “independência” surgiu como uma forma de contraponto à atitude de algum distanciamento entre as direcções dos diferentes sindicatos e as suas “bases”, i.e., os professores que nas escolas desenvolvem a sua actividade profissional. No entanto, desde o início que a minha posição (como a de grande parte dos colegas que se envolveram nesses movimentos) foi a de colaboração e não hostilização do movimento sindical. Apesar disso, quer a prática, quer o discurso que ao longo de algumas décadas se foi naturalizando (de distanciamento progressivo entre representantes e representados), permitiu que a abordagem mais populista e demagógica de associação do sindicalismo à influência do papão comunista (Fenprof-CGTP-PCP) conduzissem a uma apropriação dos movimentos por parte de gente com maiores afinidades ao centrão que nos (des)governa desde 1976.
No caso da educação isso corresponde às três longas décadas em que se tem consolidado o projecto de recaptura da Escola Pública por parte das classes dominantes, que pode ser melhor entendido à luz do que João Barroso identifica como os processos de Normalização, Reforma e Descontentamento aplicados ao sistema educativo português no pós-revolução.
A propósito da ADD, como das restantes políticas educativas do actual governo, tem havido uma enorme unidade dos professores, tanto em torno das posições da plataforma sindical, como das posições dos chamados movimentos autónomos. No entanto, por baixo desta unidade superficial continua a existir uma enorme tensão, que mantém acesa a divisão de um grupo profissional que pela sua diversidade de formação, cultural, política e ideológica, muito dificilmente pode constituir-se como uma verdadeira classe.
É exactamente neste campo híbrido que se torna mais fácil gerir um discurso aparentemente anti-poder, mas que serve sobretudo dois objectivos: um mais imediato, que se traduz na capitalização de uma projecção mediática que a prazo se possa traduzir na obtenção de vantagens de reconhecimento público (vide a questão da recepção na presidência da República) e outro menos visível, que de traduz num apoio não explícito às políticas do poder institucional (embora sob a máscara da contestação).
A ligação que aqui é feita, entre a contestação à legislação errada e errática do ME e a recusa pura e simples de ser avaliado, além de abusiva demonstra duas coisas: má fé e um profundo desconhecimento da lei e dos objectivos que os que a contestam pretendem atingir.
Evidentemente que para quem está à espera de “saltar fora” do sistema (pelo menos durante cinco anos que não contarão para a carreira, enquanto o actual ECD estiver em vigor) é muito fácil anunciar que se recusa ser avaliado. Também a mim, que estou no topo da carreira, me é fácil dizer que me recuso a ser avaliado e que abdico destes dois anos para a minha progressão [mas qual progressão?]. Isso não me permite é qualificar a opção de quem quer demonstrar que tanto os simplex (I e II), como as sucessivas trapalhadas pseudo-legislativas, levadas a cabo pelos diversos agentes do ME não permitirão a nenhum PCE (por mais adesivo que seja) fazer o que quer na sua escola.
Ao contrário do que este senhor anuncia eu vou preencher e entregar a minha ficha de auto-avaliação (não em Junho, mas depois de terminado o ano lectivo). Vou fazê-lo não porque queira “cumprir uma lei errada”, mas porque não abdico do meu direito a ser avaliado, como sempre aconteceu desde que existe avaliação de professores. Mas também porque acho que é um dever cívico demonstrar que, tanto o governo, como os seus serventuários, são obrigados a cumprir a lei e não a podem modificar a seu bel-prazer.
Além disso, ao contrário do que este senhor anuncia, recuso-me a aceitar a ligação abusiva que o ME e os seus serventuários fazem entre a recusa de entregar os OI’s e a recusa de ser avaliado. Esse é o discurso de Jorge Pedreira, de Valter Lemos, de Margarida Moreira, dos PCE’s adesivos e/ou medrosos, mas é também, pelos vistos, o discurso do presidente da Apede. Lamentavelmente.
Francisco,
Confesso que é com alguma hesitação que respondo a este teu “post” depois de uma longa ausência por estas caixas de comentários. Como já tive oportunidade de explicar numa mensagem a que não tiveste a hombridade de responder, há algo de absolutamente incompreensível, pelo menos para mim, na forma como atacas antigos companheiros teus, que nunca procederam de forma incorrecta para contigo. Tens-te mostrado sistematicamente incapaz de debater com eles as tuas divergências num plano exclusivamente político, sem misturares as discordâncias com ataques pessoais, com processos de intenção e com insinuações venenosas a roçar a calúnia. Neste mesmo texto não resistes à tentação de inocular um bocadinho de veneno quando afirmas que houve uma «apropriação dos movimentos por parte de gente com maiores afinidades ao centrão que nos (des)governa desde 1976». Sabes bem que, no que respeita à APEDE, essa afirmação é simplesmente falsa, mas mesmo assim não te coibes de a fazer.
Por tudo isto, é-me bastante penoso deixar aqui a minha resposta. No entanto, sinto que, por uma vez, o devo fazer. Ao defender que os professores que não entregaram os objectivos individuais não devem também sujeitar-se à auto-avaliação, não estou, como é óbvio, a sustentar uma recusa pura e simples de ser avaliado. Estou simplesmente a dizer que esses professores se devem recusar a ser avaliados no quadro deste modelo que o Ministério quer impor. E não foi para isso mesmo que andamos a lutar desde o ano passado? E qual é a mensagem fornecida pelos professores que agora se recusaram a entregar os objectivos individuais? Não é precisamente dizer que querem ser avaliados, sim, mas não por este modelo? Que sentido faz então entregar, no final do ano lectivo, uma ficha de auto-avaliação que se inscreve nesse mesmo modelo e cuja entrega maciça vai permitir ao Ministério da Educação afirmar que todos os professores consentiram ser avaliados? É que essa ficha não é um documento inocente: ela tem um significado político.
Dirás que o Ministério faz uma interpretação abusiva da lei quando declara que a não entrega dos objectivos individuais implica automaticamente a não avaliação com a consequente não progressão na carreira. E tens razão, pois a lei não autoriza essa leitura. Se o professor não entregar os objectivos individuais e, no final do ano lectivo, entregar a ficha de auto-avaliação, será para todos os efeitos avaliado e isso deverá ser contado para a progressão na carreira, no caso daqueles que ainda precisam dessa progressão. Mas então pergunto: a nossa finalidade actual resume-se a demonstrar isso? A única coisa que pretendemos é mostrar que se pode ser avaliado, à luz (repito) do modelo em vigor, sem ter de se entregar os objectivos individuais? É que eu pensava que a recusa dessa entrega significava uma recusa do modelo. Pelos vistos, há professores que não pensam assim…
Até pode ser que eu esteja enganado na leitura política que faço do gesto de recusar a entrega dos objectivos individuais e que alguém me consiga provar o equívoco. Até ver, entendo que, se no final do ano lectivo houver milhares de professores que recusem entregar a ficha de auto-avaliação (os mesmo que agora recusaram a entrega dos objectivos individuais), eles não estarão a fazer o jogo do Ministério. Estarão simplesmente a manifestar o facto de haver ainda um número muito significativo de docentes que não admitem participar em nenhum momento do processo de avaliação do desempenho que decorre do modelo que o Ministério quer impor, por considerarem que esse modelo é inaceitável de uma ponta à outra, em versão “simplex” ou em versão “complex”.
Termino esta resposta, constatando, com um sorriso melancólico, que não resististe à tentação de dar a ferroada por eu ter anunciado que é provável vir a ingressar, lá para Setembro, num centro de investigação. Disse-o precisamente para as pessoas perceberem a minha situação actual. Arrisco menos do que os outros? É provável que sim. Mas também é provável que não, se tivermos em conta como esta gente que está no poder gosta de retaliar. Imagino, porém, como este meu anúncio te vai dar larga inspiração para disseminares, neste teu blogue e nas caixas de comentários de outros blogues, com o teu nome e sob anonimato, muitas bocas nojentas a meu respeito: «Pois, o gajo é um oportunista!», «Estão a ver este senhor, ele quer é pirar-se do ensino!», «Não passa de um cobardolas!». Provavelmente, a campanha até já começou no momento em que escrevo estas linhas. E não vale a pena eu explicar, devagarinho, que se trata de um projecto de há vários anos, bem antes de esta equipa ministerial ter subido ao poder, projecto que só agora se poderá concretizar (caso a minha candidatura seja aceite). Mas aquelas bocas fazem o teu estilo, não é verdade, Francisco? E o estilo, como sabemos, faz o homem.
Mário,
se ainda não percebeste, eu explico: só respondo a quem quero, como quero e quando quero.
Para o fazer não uso anonimatos, nicks e/ou pseudónimos – o meu nome vai associado ao meu IP e ao meu e-mail quando solicitado (ao contrário do que mentirosamente afirmas. Mas, como dizes, o estilo faz o homem).
De qualquer forma decidi responder-te, para fazer notar que:
1. Neste blogue são aceites críticas, mesmo que as considere injustas, inapropriadas e facilmente desmontáveis (como a “estória” do anonimato de que me acusas);
2. Não tenho qualquer problema em admitir os erros e enganos que tenha cometido no passado; sou absolutamente contra revisionismos que procuram reescrever e branquear procedimentos passados, que têm que ser vistos à luz dos contextos em que ocorreram, o que é o caso do meu envolvimento com a Apede.
3. O meu direito de crítica implica a aceitação do direito que outros tenham a criticar-me; por isso a caixa de comentários é aberta e estão espalhados, por diversos posts, comentários pouco abonatórios contra mim, não só da tua parte como de outros membros da Apede (é só procurá-los).
4. Não consigo encontrar no que escrevi senão uma crítica no plano da leitura política e das opções de acção concreta que propões; isso nada tem de pessoal, a menos que aches que também tu tens direito a uma pequena “vitimizaçãozinha”, daquelas que agora estão nas bocas do mundo, a propósito das chamadas campanhas negras… só que para esse peditório recuso-me a colaborar.
5. Não o escrevi no post, porque não quis pôr mais gasolina na fogueira, mas estou convencido que por detrás da crítica aos colegas que não entregaram OI’s e pensam entregar a ficha de auto-avaliação, está implícita, da tua parte, uma crítica à plataforma sindical que não apela à recusa da auto-avaliação… mas isso são conjecturas da minha parte que, essas sim, correspondem a um juízo de valor que faço a respeito das posições que tu e mais alguns dirigentes da Apede têm assumido ao longo deste ano e que, como bem sabes, foram o motivo que me levou ao afastamento da associação.
Adenda: se dúvidas ainda pudessem existir, em alguns espíritos mais complacentes e cordatos, sobre o que move alguns dirigentes de movimentos e seus apaniguados, a leitura deste comentário http://educar.wordpress.com/2009/02/05/opinioes-mario-machaqueiro/#comment-181753 e do seguinte é suficientemente esclarecedora. Mas, de facto, o estilo faz o homem…
Parabéns pelo texto.
Completamente de acordo. É um dever profissional fazermos a nossa auto-avaliação. Também não preciso desta avaliação para nada, mas vou fazê-la, por dever e solidariedade.
http://porumspglcombativodemocratico.blogspot.com/
Tão amigos que nós éramos. O que se terá passado?