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À medida que o tempo vai passando, e que a ministra se sente mais confiante em relação a uma vitória das suas políticas, podemos ir verificando que lhe vai escapando a boca para a verdade.
Uma das suas últimas tiradas, aparentemente sem sustentação prática, foi a de que a prazo Portugal terá 100% de sucesso escolar até ao 9º ano.
Vejamos em que medida pode a ministra garantir tal previsão e se o seu desejo tem ou não sustentação legal. A minha intuição é que ela sabe do que fala e acha que o deve afirmar agora. Na verdade penso que apenas não põe como limite temporal para esse desiderato o final de 2008/09 por modéstia e para não ser acusada de eleitoralismo.
- A ministra sabe que na generalidade das escolas a farsa da avaliação vai de vento em popa, isto é, que a maior parte dos órgãos de gestão e dos avaliadores entraram num processo de simplificação da avaliação, que vai garantir que em Setembro de 2009 “temos avaliação e avaliados” (mesmo a tempo da campanha eleitoral)
- A ministra também sabe que esse processo de simplificação vai reflectir-se em pouca seriedade no que diz respeito à definição de critérios, indicadores de medida de sucesso escolar e, por arrasto, contaminar a seriedade da avaliação dos alunos;
Olhemos para a armadilha que consiste em definir como objectivos individuais dos professores os valores que podem e devem constituir metas organizacionais:
- Imaginemos que numa escola se define como meta para o sucesso alcançar uma taxa de transição global de 95% dos alunos;
- Imaginemos que, numa lógica de “simplificação do processo”, nessa escola não são analisadas as séries estatísticas por disciplina e por ano de escolaridade;
- Imaginemos que, na senda do “nacional-porreirismo”, os avaliados “simplificam” o processo e aceitam como um objectivo baixar a sua taxa de insucesso para um valor de 5%, cumprindo assim os valores da meta organizacional;
- Isso significa que numa turma de 28 alunos cada um dos professores “pode” apenas propor um nível negativo (2 negativas = 7.14%);
- Isso significa também que, a menos que haja uma concentração de negativas em dois ou três alunos, nenhum aluno dessa turma ficará retido, uma vez que são precisas 3 ou mais negativas para acontecer a retenção.
- Relativamente ao 9º ano, acrescentando a este raciocínio o de os professores de Língua Portuguesa e Matemática estarem condicionados pela comparação entre os seus resultados e os dos exames nacionais, e recordando os níveis de exigência colocados, tanto na elaboração como na correcção das provas, no ano lectivo anterior, é de prever que só algum louco ou alguém com uma auto-estima inabalável se atreva a reprovar um aluno nestas duas disciplinas.
É pois com base nestas premissas que a ministra pode anunciar, com total despudor, que em breve haverá 100% de sucesso na escola pública. Claro que não se refere à qualidade das aprendizagens nem ao sucesso na aquisição de competências académicas, mas apenas ao sucesso estatístico que permite ganhar eleições e satisfazer as instâncias de regulação internacional, a quem o país se submete como contrapartida por algum auxílio económico.
É por isso que a forma correcta de combater o eleitoralismo e a desonestidade demagógica deste modelo de avaliação (senão mesmo a única forma de o fazer), é renunciando a simplificações mistificadoras, exigindo seriedade e rigor nos processos e obrigando os órgãos de gestão das escolas e os respectivos avaliadores a cumprirem tudo o prescrito na legislação em vigor.
Por muito trabalho que isso dê a toda a gente, e fazendo-o de forma contextualizada em cada escola, sem pretender copiar esquemas que são bons num sítio mas inexequíveis noutro.
Francisco, concordo com tudo o que dizes, mas faço um reparo: simplificação não tem que ser simplificação mistificadora. No prescrito na legislação em vigor há normativos absolutos, mas também há orientações relativamente abertas, e quanto a estas, tenho visto exemplos de documentos produzidos nas escolas que complicam parecendo mais papistas que o papa.
Ou será que a forma de combater o eleitoralismo e a desonestidade demagógica do actual modelo de avaliação (como dizes) é tomar no máximo à letra tudo o que está escrito nos documentos legislativos quer como normas, quer como orientações mais abertas e até sugestões em anexos, a fim de, ainda que com excessivo trabalho dos professores, se vir a tornar evidente a todos a sua inexequibilidade dentro da seriedade? Sobre isto não percebi muito bem o que está na tua ideia.
Isabel,
a “simplificação” de que falo está intimamente ligada à tendência que existe (desde sempre) entre os professores de interpretarem a legislação da forma menos trabalhosa e que “menos ondas faça”.
Claro que sei (mas a ministra também sabe, tal como todos os seus gurus) que a regulação ao nível da escola tenderá a interpretar e aplicar toda a legislação da forma mais favorável e de acordo com os interesses dos actores.
A questão que levanto é a de saber se os nossos interesses de curto prazo (simplificação do processo) não são o trunfo eleitoral com que a ministra e o governo jogam, para mostrar que a avaliação, não só é exequível, como está em marcha e vai de vento em popa.
Nessas circunstâncias, parece-me que tudo quanto impeça a aplicação deste modelo através da sua simplificação corresponde melhor aos nossos interesses de médio e longo prazo.
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Excelente post !
E claro … “a “simplificação” de que falo está intimamente ligada à tendência que existe (desde sempre) entre os professores de interpretarem a legislação da forma menos trabalhosa e que “menos ondas faça”.”
“Simplificar” um modelo de avaliação de desempenho legalmente publicado? O que é isso?
Primeiro é ilegal. Segundo deixa de ser o “tal modelo legislado”.
É para cumprir, cumpre-se. Não estou disposta a deixar passar uma vírgula. Denuncio de imediato. Ofício com registo de envio, actas e tudo escarrapachado em blogs e mails.
Enviar por mails posts para circular (e com pedido de circulação são essenciais).
fjsantos,
Já destes uma vista de olhos pelo SIADAP? Goggle… Depois falamos.